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A relevância social e histórica do café é a do espaço público. As pessoas encontravam-se e, enquanto tomavam a bebida, conversavam e discutiam sobre temas variados, dos mais comezinhos à política, à arte e à cultura. Formavam-se tertúlias onde os mais novos aprendiam escutando os mais especialistas, em conversas cujo fio de meada se perdia ao longo da discussão. Hoje ainda o fazemos, mas houve um período mítico onde essa explicação parece funcionar melhor. Existiu mesmo um filósofo alemão, chamado Habermas, que escreveu um livro extraordinário sobre espaços públicos, com o café a ser local de formação da opinião pública e política.
Esse tempo mítico é o da leitura de jornais e da troca de ideias que se seguia à leitura. Há cidades que recordam alguns desses cafés. Por exemplo, em Lisboa, fala-se do Gelo, já desaparecido, espaço de convívio de poetas e escritores, do Vavá, transformado em restaurante, local de discussão de cineastas e artistas ligados às artes plásticas, do Nicola, a evocar o poeta Bocage, da Brasileira, uma verdadeira pinacoteca do modernismo português, da Versailles, onde também se toma chá, da Mexicana, com um passarinheiro que quiseram destruir recentemente. Pontos de encontro, pontos de referência. E recordo os do Porto, cidade que também conheço bem: o Guarany, hoje renovado, o Imperial, tornado restaurante de fast-food mas que mantém os vitrais representando cenas da produção do café, o “Piolho”, onde se cruzavam os intelectuais transviados da universidade vizinha, o Majestic, do tempo da belle époque, contemporâneo do nascimento do animatógrafo e das rádios amadoras.
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Das cidades que conheço fora do país, recordo os de Bruges (Bélgica), Saragoça (Espanha) e Praga (República Checa). Em Bruges, a arquitectura arte nova torna os espaços em sítios de acolhimento e prazer. Em Praga, existe à venda um livro sobre cafés e as personalidades políticas, das artes e da cultura que neles passaram. Ou seja: os cafés são espaços fundamentais na vida das cidades. E os sabores também variam conforme os locais: é diferente um café turco, tomado, sei lá, na Bósnia Herzgovina, de uma enorme caneca de café de saco em Boston, nos Estados Unidos
Além de tudo, os cafés foram espaços pioneiros das indústrias culturais. A primeira audição de rádio ocorreu num café do bairro onde moramos, no tempo em que o aparelho era muito caro. E com a televisão aconteceu o mesmo. Lembro-me até de um café que tinha duas televisões nas costas uma da outra. Ainda era o tempo de um só canal, o da RTP. Mas isso satisfazia os clientes de um lado e do outro do café. E, para quem não gostasse de ver televisão, subia-se ao andar de cima e jogavam-se bilhar, damas, xadrez e dominó. Depois, o televisor veio para a sala de estar e, agora, está presente em todas as dependências da casa.
À hora a que esta crónica for para o ar, os cafés estarão a viver uma nova efervescência, com a instalação de plasmas e telões, os ecrãs pós-modernos para ver o mundial de futebol. As lojas anunciam a aquisição desses ecrãs largos e de cores vivas a preços convidativos. Até se pode comprar a prestações!
[texto da crónica que passará hoje por volta das 10:00, na Antena Miróbriga Rádio ou 102,7 MHz (região de Santiago de Cacém)]
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