PROGRAMAÇÃO TELEVISIVA NO PÓS-1974
Ontem, Madalena Soares dos Reis, mestranda da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, fechou o ciclo do Seminário de Investigação Cultura de massas em Portugal no século XX, promovido pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra e pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, com o tema Programação televisiva na altura da revolução (1974).
Fundamentalmente, a jovem investigadora procurou responder às perguntas: houve uma programação específica em 1974? Houve uma ruptura? Assim, ela trabalhou três pontos: 1) período televisivo na época marcelista, 2) RTP, e 3) dados sobre programação e audiência. O seu primeiro texto de referência foi a tese de doutoramento de Francisco Rui Cádima sobre os noticiários televisivos de Salazar e Caetano, frisando a importância deste na escolha de Ramiro Valadão para presidente de administração da televisão pública, então a única permitida por lei. A televisão era, e continua a ser na minha perspectiva, um instrumento de poder político. À altura de Caetano, ficariam famosas as suas conversas em família (modelo inspirado nas conversas à lareira do presidente americano Roosevelt).
Para Madalena Soares dos Reis, e seguindo ainda Cádima, não houve ruptura entre Salazar e Caetano quanto à televisão, embora o último estivesse mais atento ao dispositivo cultural, não fosse ele o homem que tinha já escrito sobre relações públicas. Contudo, Valadão consegue novos equipamentos de visionamento dos programas, nomeadamente os noticiários, o que confere um estádio mais perfeito do controlo sobre as matérias apresentadas. E, ao mesmo tempo, parece haver uma abertura política e cultural, com a presença de novos programas e animadores: David Mourão-Ferreira (sobre poesia), Vitorino Nemésio (Se bem me lembro), Zip-zip (1969), Ensaio (programa de entrevistas com cineastas do cinema novo). Então, em termos de audiências (estudo de 1969), as séries mais vistas eram americanas, apesar das domésticas constituirem a maior parte da recepção, o que contrariaria aquela preferência, ficando os noticiários em oitavo lugar, o que anunciava uma não adesão à informação, julgada manipulada.
A investigadora concentrar-se-ia, depois, na emissão de 25 de Abril de 1974, com os locutores Fialho Gouveia e Fernando Balsinha (ambos já desaparecidos), sem gravata e a fumarem, sinal de um novo tempo. Ao longo da noite, a emissão seria interrompida para anunciar o novo poder, a Junta de Salvação Nacional, composta por militares dos três ramos das forças armadas. O mês de Maio seria um intenso período de suspensões, exonerações e nomeações, processo que continuaria ao longo do tempo, dada a volatilidade de sucessivas administrações do canal público.
Em Janeiro de 1975, Ramalho Eanes, o então presidente da RTP - e, mais tarde, presidente da República - tomou a iniciativa de promover um estudo, baseado em inquéritos telefónicos, dando resultados interessantes pelas mudanças em termos de espectadores. Os estudantes, seguidos de empregados do sector terciário, viam mais televisão em 1975 do que nos anos anteriores, possivelmente em resultado da mudança política. Contudo, começava a haver uma saturação do peso de programas políticos, exigindo-se o regresso dos músicos nacionais à televisão.
Sem adiantar muito mais sobre o trabalho de Madalena Soares dos Reis, pois ela está a escrever tese de mestrado sobre o assunto, e do que ouvi, poderia concluir que a programação da televisão sofreu uma alteração, com a ideia de suprimir séries americanas e substitui-las por programação de outros países, mormente do leste Europeu. Mas aquelas eram imbatíveis em termos de quadros e formas de vida, pelo que o regresso foi sendo feito paulatinamente. E uma normativa dos novos responsáveis da televisão, de 5 de Agosto de 1974, ficaria - na minha perspectiva, a partir dos dados ouvidos ontem - mais do domínio da intenção do que da sua efectiva realização. Há, contudo, necessidade de estudar muito aprofundadamente este período, dadas as múltiplas contradições e grande diversidade de agentes sociais envolvidos.
No primeiro fim-de-semana de Setembro, haverá uma reunião de balanço sobre o que se foi passando em 2006 e um planeamento de actividades para 2007. Nesse fim-de-semana de Setembro, estarão presentes os historiadores franceses Christophe Prochasson e Dominique Kalifa. Aqui no blogue darei destaque a esse evento.
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