

O núcleo do texto de António Guerreiro assenta na percepção do vasto lixo editorial que as grandes e médias editoras hoje produzem. Na actualidade, há mais de mil livros editados por mês, muitos deles para consumo imediato e segundo crescentes nichos de mercado como indica o texto de sexta-feira passada no caderno "Mil Folhas" do Público, assinado por Ana Dias Ferreira e intitulado "As editoras dentro das editoras". Aparentemente, os textos são opostos nas suas finalidades, mas há um fio semelhante na origem.
António Guerreiro vê o lixo editorial "na corrida selvagem onde só se salvam os livros que ocupam mais espaço nas livrarias, têm capas mais coloridas e cumprem a tarefa nauseabunda da mercadoria inútil, repetitiva, degradada", lógica semelhante à da televisão, em que o lixo atrai outro lixo e em que, "a partir de certa altura todo o circuito (edição, distribuição, comercialização) não consegue alimentar-se de outra coisa, não tem tempo nem espaço para funcionar de outra maneira". Assim se explica, na minha perspectiva, o tempo e o espaço dados a Paulo Coelho, Dan Brown ou Margarida Pinto Rebelo - e, ao invés, se retira a filosofia da prova de acesso ao ensino universitário.
Ana Dias Ferreira escreve sobre a criatividade das editoras, a partir do conceito imprints. Isto quer dizer que as editoras mãe albergam o nascimento de outras editoras enquanto marcas autónomas, orientadas para públicos específicos. Eu retiro o exemplo da Quimera, que lançou recentemente a marca BonD (Books on Demand, Livros a Pedido), cuja linha de trabalho é a edição de teses de carácter ensaístico e universitário, em formato papel e electrónico, em que cada título tem 200 exemplares impressos, dos quais 25 para o autor e 150 para as livrarias (os restantes vão para o depósito legal e a distribuição na imprensa). A editora Cotovia (livros para teatro e obras de ensaio e de poesia) passa a ter a irmã Raposa (para um público feminino e para os apreciadores de humor), enquanto a Asa lançou uma chancela (Lua de Papel) de livros práticos e de auto-ajuda.
As novas editoras (dentro de editoras preexistentes) visam conquistar novos públicos ou por questões comerciais. À necessidade de especialização junta-se a necessidade de distinção num mercado de mercadorias como é hoje o livro.
Mas aqui surgem as contradições. Primeiro, a rotação de um livro numa livraria raramente impede que este se mantenha acima de dois meses dentro do espaço da loja. Com os condimentos de capas atraentes e de muitas, muitas fotografias dentro. Em segundo, o próprio sistema de exposição é flagrante: quem vá, por exemplo, a uma loja Bertrand tem essa noção precisa. Os livros que ocupam os espaços mais nobres são os livros-álbum e os romances etiquetados em forma de top-ten. Filosofia ou sociologia misturam-se ou são vizinhos de estantes de livros de psicologia ou medicina ou engenharia. Em terceiro, a qualidade do livreiro ou do empregado que possuía conhecimentos - memória - desvanece-se rapidamente. Uma loja de livros vende mercadorias como uma loja de meias ou de sapatos, em que o que importa é a novidade ou o que vem anunciado na televisão.
Sem comentários:
Enviar um comentário