Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sexta-feira, 17 de novembro de 2006
A SOCIEDADE MCDONALDIZADA (2)
[continuação da mensagem de 9 de Novembro]
Debord
Comenta Ritzer que, no livro A sociedade do espectáculo, Guy Debord escreve: "o espectáculo é o produto principal da sociedade no seu dia-a-dia". E, como Ritzer, associa o espectáculo aos bens (produtos e serviços) a vender. Isto é, os bens e os espectáculos dominam não apenas a economia mas também a sociedade. Em última instância, Debord via a emergência de uma sociedade do espectáculo, onde os bens se contemplam num mundo feito por eles mesmos.
Ora, o que nos diz Debord? Desde os anos 1950, Debord produziu críticas radicais da vida na sociedade moderna, sobre o imperialismo cultural e o papel da mediação nas relações sociais. Devido aos processos de radicalização francesa de Maio de 1968, envolveu-se muito na Internacional Situacionista. A partir de 1952, os seus filmes seriam considerados as primeiras tentativas do uso radical do meio. Mais importante, todavia, foi o conceito da "construção da situação" no contexto do significado do discurso artístico. A partir dos anos de 1970, Debord passou a viver em reclusão.
Do livro A sociedade do espectáculo extraem-se os seguintes pontos: "1 – Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espectáculos. Tudo o que era directamente vivido se esvai na fumaça da representação". "4 – O espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens". "11 – Para descrever o espectáculo, a sua formação, as suas funções e as forças que tendem para sua dissolução, é preciso distinguir os seus elementos artificialmente inseparáveis. Ao analisar o espectáculo, fala-se em certa medida a própria linguagem do espectacular, no sentido de que se pisa no terreno metodológico desta sociedade que se exprime no espectáculo. Mas o espectáculo não significa outra coisa senão o sentido da prática total da formação económico-social, o seu emprego do tempo. É o momento histórico que nos contém". "14 – A sociedade que repousa sobre a indústria moderna não é fortuitamente ou superficialmente espectacular, ela é fundamentalmente espectaculista. No espectáculo, imagem da economia reinante, o fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espectáculo não quer chegar a outra coisa senão a si próprio". "44 – O espectáculo é uma permanente guerra do ópio para confundir bem com mercadoria; satisfação com sobrevivência, regulando tudo segundo as suas próprias leis. Se o consumo da sobrevivência é algo que deve crescer sempre, é porque a privação nunca deve ser contida. E se ele não é contido, nem estancado, é porque ele não está para além da privação, é a própria privação enriquecida".
No seu texto A sociedade do espectáculo, Debord distinguira duas formas do poder espectacular, rivais e sucedendo-se uma à outra. Pela primeira, designada concentrada, favorecia-se a ideologia condensada à volta de uma personalidade ditatorial, acompanhada por uma contra-revolução totalitarista, fascista ou estalinista. Pela forma difusa de poder, levavam-se os assalariados a aplicarem a sua liberdade de escolha no âmbito alargado de novos bens [commodities] em oferta. Esta representava a americanização do mundo, processo que seduziria melhor ou pior muitos países e onde se mantinham formas tradicionais de democracia burguesa. Seguidamente, estabeleceu-se uma terceira forma, uma combinação racional das duas, o espectáculo integrado, que se impôs globalmente. Aplicado ao governo – o governo espectacular –, possui os meios necessários para falsificar a produção e percepção. É o mestre absoluto das memórias, que reina sem ser avaliado e executa sumariamente os seus julgamentos.
Tudo aparece numa singeleza carnavalesca, escreve Debord. Generaliza-se o desaparecimento da capacidade real: um financeiro pode ser um cantor, um advogado um espião, um padeiro pode falar dos seus gostos literários, um actor pode ser presidente. Qualquer pessoa pode juntar-se ao espectáculo, publicá-lo ou adaptá-lo, ou praticá-lo. Como o "estatuto dos media" adquiriu muito mais importância que o valor de qualquer coisa toda a gente é capaz de fazer o que quiser, tem o mesmo direito e o estatuto de estrela.
A sociedade, cuja modernidade atingiu uma etapa de espectáculo integrado caracteriza-se pelo efeito combinado de cinco factores principais: renovação tecnológica incessante, integração do Estado e da economia, segredo geral, mentiras não respondidas, eterno presente. As mentiras não respondidas conseguiram eliminar a opinião pública, a qual perdeu a possibilidade de se fazer ouvir e rapidamente se dissolveu. Isto tem consequências significativas para a política, ciências aplicadas, sistema jurídico, artes.
A manufactura do presente - em que a moda é um em si, das roupas à música - chega a uma paragem, a qual quer esquecer o passado, sem parecer acreditar num futuro. Ela acha-se numa circularidade incessante de informação, voltando sempre à pequena lista de prioridades, proclamada apaixonadamente pelas maiores descobertas. Ao mesmo tempo, raramente surgem notícias do que acontece e muda de importante.
[continua]
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