terça-feira, 28 de novembro de 2006

A TELENOVELA SEGUNDO VERÓNICA POLICARPO


[roteiro da minha aula de hoje de Públicos e Audiências]

A perspectiva de Verónica Policarpo - no livro Viver a telenovela. Um estudo sobre a recepção, a apresentar hoje ao fim da tarde na Universidade Católica - constata-se logo nas primeiras páginas. Para ela, interessa investigar se, na sociedade portuguesa, homens e mulheres apresentam diferenças significativas na sua apropriação da telenovela. A autora parte do princípio que, ao longo da vida, os actores sociais constroem uma grelha de valores. Além disso, a situação conjugal (casados, divorciados) marca uma trajectória de análise.

Adaptação da dissertação de mestrado defendida na Universidade de Coimbra, Verónica Policarpo destaca, na revisão da literatura (cap. 1), os conceitos: 1) família, como contexto mais indicado para estudar as práticas de recepção da televisão, 2) o que influi na leitura da novela: meio social, género, trajectória familiar, apropriação.

Uma novela brasileira é: 1) produto que se destina essencialmente a preencher o imaginário do seu público, com a exploração das emoções (rir, chorar), 2) aproxima a especificidade da narrativa ao tempo real do quotidiano, 3) diferencia-se das suas congéneres de outras nacionalidades, em termos de: a) duração (média: seis meses) e estrutura narrativa, b) com conteúdo sem o retrato fantasista de um mundo perfeito, mas pela representação da vida ordinária e quotidiana, com temas relacionados com política, história do Brasil (caso da novela que analisou), desigualdades sociais, e c) qualidade técnica (cenários, acessórios e adereços, filmagens requintadas de exteriores) e de actores e direcção artística. Além disso, a telenovela é "uma forma narrativa, um léxico e uma semântica para [os telespectadores] construirem a sua própria história, a sua própria vida" (p. 125).

No caso da novela Terra Nostra, objecto de estudo em termos de recepção, há uma inter-relação com assuntos da esfera pública, crise político-económica, imigração de italianos para o Brasil, recessão do país no período pós-escravatura, assuntos da vida privada. Uma telenovela apresenta características específicas, nomeadamente o facto de ser emitida diariamente, em horário "familiar", simulando o tempo real da vida quotidiana (p. 41). Pelo horário em que é emitida, a família surge como contexto provável da recepção da telenovela. A autora faz as seguintes perguntas: qual a função que a novela desempenha no seu dia-a-dia, com quem assiste, costuma trocar ideias com alguém sobre o que vê, qual a sua motivação para seguir as suas histórias?

[nos vídeos, apresentação do livro feita por Isabel Férin e parte do agradecimento da autora, hoje ao fim da tarde. A presidente da mesa foi Isabel Gil, da Universidade Católica]



A televisão é vista como "companhia", muitas vezes servindo mais para ser ouvida do que vista, substituindo a rádio. A telenovela preenche uma necessidade identificada pela perspectiva dos usos e gratificações como de âmbito das relações pessoais: a companhia. Assim, em muitos lares a televisão permanece ligada quase todo o tempo em que há pessoas no lar. Desempenha, para além do papel de lazer, o preenchimento de espaços "vazios".

A telenovela pode também assumir o papel tradicional de contador de histórias. Os entrevistados da autora preferem novelas brasileiras devido à qualidade das interpretações e dos actores, com uma clara preferência pelas urbanas e actuais. Dos principais usos da novela, destacam-se a aproximação do tema à realidade do dia-a-dia, à socialização das audiências, à aprendizagem das regras da vida em sociedade e a determinados estilos de vida. Os principais motivos para seguirem uma telenovela são: horários de emissão, se coincidem com a hora de jantar, falta de programação satisfatória nos outros canais, nos mesmos horários, estratégias de programação, cenários e adereços, publicidade da imagem, construção de ambientes sociais e históricos, elemento de distracção e entretenimento. A autora detecta uma confusão entre actores e personagens por parte de alguns espectadores. Nalguns casos, a telenovela aparece como desempenhando uma importante função de utilidade social, pois ela surge como fonte de conversa. A telenovela também parece preencher necessidades de identidade pessoal, em que os indivíduos comparam a história da novela com a sua própria experiência social.

A novela surge ainda como fonte de reforço e aprendizagem de dados valores, familiares, cívicos, dentro das necessidades de reforço de valores. Género e trajectória de vida são duas marcas essenciais na recepção da novela. A construção de valores, representações e práticas são analisadas através de três dimensões da trajectória – individual, familiar e histórica. Os efeitos da trajectória familiar são atravessados pela experiência de género. Assim, cada entrevistado coloca-se face a três eixos fundamentais: 1) tema e narrativa da novela, 2) propostas relativas às relações de género, 3) propostas relativas às relações familiares.

Quanto à estrutura narrativa de uma novela, Policarpo adianta que uma coisa é como os produtores nos contam uma história e outra, diferente, como os seus entrevistados a contam. A história da novela pode ser contada através da vida de quem fala à autora. Assim, as mulheres casadas vêem-na com distância e contenção, 2) as mulheres separadas com amor romântico, espontaneidade e emoção, 3) os homens casados com desvalorização do conteúdo enquanto prática de distinção, 4) os homens separados com amor e emoção na apropriação da telenovela. As entrevistadas divorciadas manifestam alguma condescendência em relação à novela, enquanto produto televisivo inferior e alienante. A trajectória familiar (casados ou divorciadas) tornou-as espectadoras mais ou menos competentes para interpretar os conteúdos das novelas. Quanto mais complexa é a sua trajectória mais instrumentos têm ao seu dispor (p. 57).


A relação conjugal determina a apropriação: para as mulheres casadas, é corolário de consenso e estabilidade; para as divorciadas, há a aceitação da "fuga" à norma da vida do casal (p. 123). Os entrevistados casados revelam-se mais sensíveis à inverosimilhança histórica, com um sentido crítico da narrativa, como as mulheres casadas.

Registo ainda o modo como os homens entrevistados vêem a representação feminina nas novelas: activas e empreendedoras, apesar de frágeis. Isto pode ser provocado pela redefinição de papéis sexuais na sociedade portuguesa, com as mulheres a terem maior autonomia profissional e financeira. E também a relação dos homens com os filhos: se é rapaz, a relação é de cumplicidade; se é rapariga, exige-se respeito. Aliás, há uma família de pais e três filhos na presente série de Morangos com açúcar que ilustra a definição de Verónica Policarpo: o pai permite que o filho saia de casa todos os dias à noite, o que procura vedar à filha mais velha, embora esta conteste a situação (a mais jovem ainda não tem força para se opor ao pai).

Leitura: Verónica Policarpo (2006). Viver a telenovela. Um estudo sobre a recepção. Lisboa: Livros Horizonte

2 comentários:

juliana batista disse...

Olá, Rogério. Sou Juliana Farias, Brasileira. Estudo sobre novelas. Será meu projeto de conclusão de curso de jornalismo(Bacharelado). Gostaria de saber como posso fazer para comprar este livro da Verônica. Achei muito interessante a idéia. E você, estuda sobre novela também? Meu e-mail é juli.farias@yahoo.com.br
Aguardo retorno, Juliana Farias
Visite meu blog sobre cinema: www.cinemaecriatividade.blogspot.com

juliana batista disse...

Olá, Rogério. Sou Juliana Farias, Brasileira. Estudo sobre novelas. Será meu projeto de conclusão de curso de jornalismo(Bacharelado). Gostaria de saber como posso fazer para comprar este livro da Verônica. Achei muito interessante a idéia. E você, estuda sobre novela também? Meu e-mail é juli.farias@yahoo.com.br
Aguardo retorno, Juliana Farias
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