quinta-feira, 24 de maio de 2007

MEDIATIZAÇÕES


Embora com o estilo próprio, o da notícia de jornal, o Diário de Notícias traz hoje um assunto para reflexão, tomando como princípio a criança inglesa desaparecida há três semanas no Algarve. O assunto é a possibilidade de replicação (imitação) de desaparecimentos, a partir da cobertura excessiva, podendo ser efectuada por indivíduos com patologias.


Esta peça, de Sónia Correia dos Santos, com base em despacho da Lusa, lembra-me o colóquio que a Universidade Católica promoveu na última segunda-feira, onde o tema foi televisão e crianças. Nesse encontro, detectei duas posições diferentes: 1) a televisão só influencia se se criarem símbolos a partir do que se vê (uma criança pequena não dá atenção ao que vê na televisão se não houver um mediador adulto e que mereça a confiança dessa criança, 2) a passagem de ocorrências e narrativas, e em especial a repetição de valores, influencia directamente o espectador, incluindo as crianças; a televisão é ela própria uma mediadora.

A peça jornalística acompanha a segunda posição. Embora eu não seja um estudioso do tema - isto é, nunca fiz trabalho científico sobre o tema -, parece-me que, embora a primeira posição tenha uma boa base argumentativa, a segunda posição parece-me aproximar-se mais da realidade. Acontecimentos nos Estados Unidos como Columbine ou a ocorrência mais recente de um jovem identificado com um país asiático ter entrado numa escola a matar quem lhe aparecia à frente, começando por uma rapariga por quem ele se apaixonara mas que não lhe correspondia em sentimentos, são estruturas de acontecimentos repetidos, que se ouviu falar ou viu na televisão ou no cinema.

Num texto clássico, Elizabeth Bird e Robert Dardenne (Mito, registo e estórias: explorando as qualidades narrativas das notícias) falam das notícias como narrativas culturalmente construídas. As notícias, escrevem, são uma forma de criar ordem na desordem das ocorrências diárias. Quando se escreve sobre um crime, por exemplo, não se escreve apenas sobre um crime em particular mas sobre um quadro mental prévio em que o crime desperta um conjunto de sentimentos já definidos culturalmente. Do mesmo modo, acrescento eu, organizamos o que vimos e procuramos seguir ou rejeitar segundo quadros culturais operados na sociedade. A imitação é um elemento dentro desses quadros conceptuais e sociais.

Os fenómenos mediatizados contribuem para um efeito mimético, eis a conclusão desse artigo de jornal. Parece-me uma explicação plausível, pois muitos dos nossos actos são efeito de imitação, de pertença a um grupo aceitando as regras introduzidas nesse grupo. A televisão, como meio de comunicação prevalecente nos lares, é esse mediador sempre próximo do indivíduo. Veicular valores ou conhecimentos e servir de propaganda ou publicidade são elementos principais presentes na televisão desde o seu começo.

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