Aos meus alunos da disciplina de Públicos e Audiências (no dia em que as notas foram afixadas).
Este semestre foi, para mim, muito produtivo. O sucesso deveu-se, também, ao entusiasmo dos alunos. Elenco aqui as razões principais:
1. Os momentos mais intensos foram os das análises dos textos de Daniel Dayan (tipos de quase-públicos) e de Lawrence Grossberg (mapas de interesse, sensibilidade, afecto).
As múltiplas dúvidas sobre o texto de Dayan acabaram (quase todas) dissipadas, com a percepção da riqueza do trabalho do sociólogo francês. O texto de Dayan esquematiza-se em dois níveis: a) públicos, b) quase-públicos. Do primeiro, ele separa: a1) político, a2) de identidade, a3) de gosto. Do segundo, divide-o em: b1) fãs, b2) de televisão cerimonial, b3) das elites dos media europeus, b4) dos media de imigração.
Mas também a construção dos públicos de consumo – consumidores –, com origem na tipologia dos públicos de cultura do Observatório de Actividades Culturais. Eu partira dos textos de George Ritzer, pessimistas, criticando a McDonald’s e a sociedade de consumo, a quem ele designa de mcdonaldizada. Acresce-se que eu não tivera tempo de trabalhar a proposta optimista de Alan Bryman (The disneyzation of society, 2004). A sociedade de consumo, assente na previsibilidade e na calculabilidade em Ritzer, torna-se temática e híbrida em Bryman. Com Ritzer a admitir esta versão benigna, conforme o escreve na capa do livro de Bryman. Este semestre, os alunos interiorizaram melhor conceitos do Observatório de Actividades Culturais como o capital escolar familiar: consolidado, recente, precário. E aplicaram nos seus inquéritos aos grupos de consumo: séries de televisão, centros comerciais, cultura.
2. Uma outra linha de análise foi a dos textos do Obercom, saídos entre finais de 2006 e a actualidade. Gustavo Cardoso e as(os) investigadoras(es) do Obercom traçam duas gerações de televisão – a iniciática (nascida entre 1950 e meados dos anos 1960) e a multimedia (nascida após 1985) [há ainda a geração intermédia entre as duas]. O ecrã, a sua multiplicidade ao longo de 50 anos, permite um contacto e um conhecimento diferente com os media, em termos de recepção activa. A geração iniciática tem na cultura impressa o seu modo principal de obtenção do conhecimento; a geração multimedia recebe o conhecimento através dos ecrãs, o que altera profundamente a estrutura da literacia.
Foi quando falámos da geração de electrodomésticos e dos consumidores regulares (dos que vão frequentemente ao McDonald’s). O que me levou, logo após a conclusão das aulas, a reformular e a assentar melhor as ideias ali discutidas. A geração iniciática do Obercom é a geração de electrodomésticos nas minhas aulas. A geração multimedia é a geração dos centros comerciais nas minhas aulas. Estava Portugal a aderir à CEE (actual UE) e inaugurava-se o centro comercial das Amoreiras (1985). Os meus alunos pertencem à geração dos centros comerciais (e dos gadgets electrónicos como o iPod e o MSN); eu pertenço à geração de electrodomésticos (massificação da televisão, do frigorífico, do automóvel). Nas duas gerações, há um sentido comum – o movimento, a velocidade, o cosmopolitismo. Mas há distinções: gostos, consumos, locais de permanência.
Os mapas de interesse, como Grossberg apresenta, são marcas que ficam com cada geração. Escreve ele que um mesmo objecto, com um significado e prazer semelhante, é diferente quando a relação afectiva muda. O afecto completa, é o que dá cor ou textura à experiência individual (durante o semestre não consegui introduzir os textos de Henry Jenkins, acabando agora por fazer uma recensão aos textos mais recentes, ambos de 2006: Fans, bloggers and gamers. Exploring participatory culture; Convergence culture. Where old and new media collide).
3. Dos públicos consumidores, refaço igualmente o que foi sendo traçado ao longo de uma aula: 1) consumidores regulares, a geração de 20-35 anos, urbana, que desde sempre entrou no McDonald’s, inicialmente para festas de colegas de escola, à espera do brinde merchandising do filme em exibição, e que aspira ou já está no mercado de trabalho, 2) consumidores irregulares ou ocasionais, a geração dos 35 anos em diante, urbana, com profissões estabilizadas e com mais dinheiro, que acompanha os filhos às refeições do McDonald’s, parte dela com lembranças de idas durante a adolescência mas já sinalizando os excessos dessa alimentação (gordura, nutrientes), 3) consumidores recentes, a geração das crianças até à adolescência, que começa a fomentar a ida a estes restaurantes, por causa de práticas de socialização, e que frequenta o número de vezes de acordo com a mesada que disponibiliza. Estas gerações – mais alargadas que as designações de gerações de electrodomésticos e de centro comercial – acompanham outros consumos visíveis nos centros comerciais, a ligação entre consumos de socialização e práticas culturais de saída, da refeição à compra e à ida ao cinema multiplex.
O postal também é dedicado a Catarina Burnay, minha colega da disciplina de Públicos e Audiências, pela partilha de programa, discussão de metodologias comuns de avaliação em turmas distintas e aulas com matérias diferentes dadas nas turmas do outro docente, no que foi uma experiência pedagógica muito significativa.
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