Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sexta-feira, 27 de julho de 2007
A FOTOGRAFIA EM GEORGES DUSSAUD
A exposição de fotografia de Georges Dussaud, patente actualmente na Cadeia da Relação (Porto), é soberba. A maior parte das imagens do fotógrafo são datadas de começos dos anos 80 e feitas em Trás-os-Montes.
São paisagens geladas onde seres humanos e animais se juntam. Vêem-se rostos juvenis, mas também homens e mulheres adultos, com olhares sempre em direcções diferentes das da câmara fotográfica, exceptuando a das duas velhas com um cão.
Outra imagem que me ficou na retina foi a do menino da serra do Barroso (1983): se não tivesse a cara suja e cabelo despenteado, seria um boneco de porcelana, tal a perfeição da sua face.
Uma imagem que fixara previamente, a partir de texto recente do jornal Público, é a do almoço, onde os pratos e os tachos se estendem em longitudinal, com homens e mulheres fazendo a sua refeição. A ideia transmitida pelo fotógrafo lembra-nos a última ceia de Cristo. Um elemento que se distingue de outras imagens é a relativa juventude dos seus elementos, pois Trás-os-Montes envelheceu ao longo dos anos, com a emigração para fora do país e para as grandes cidades como Lisboa e Porto.
Estas imagens cobrem os anos 80, mas elas representam realidades sociais e psicológicas como se estivéssemos em 1940 ou 1950. A revolução política de 1974 (e a agitação político-cultural da época) ou a próxima adesão à Comunidade Europeia (actual União Europeia) quase não se fizeram sentir naquelas gentes. Parece uma reserva mental e social a que é mostrada por Dussaud, um museu vivo.
Recordo o rapazinho vestido com equipamento tradicional de palha para protecção da chuva, a ceifa com foice, as meninas a dançar (serra do Barroso, 1983). O que dançam as meninas? Porque estão as mulheres debruçadas sobre o muro? E o que faz o burro, a passar no momento da tomada da fotografia?
Portugal é ainda um país a duas velocidades, o das auto-estradas e dos bares da avenida 24 de Julho, a fervilhar às duas da manhã, e a destas imagens bonitas mas reveladoras de grande diferenciação social e cultural.
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