terça-feira, 18 de setembro de 2007

BANDA DESENHADA (II)


[continuação de ontem]

O mundo dos leitores de BD é um universo fechado: lê-se especialmente em casa. E é um mundo masculino. A própria indústria ignorava as potenciais leitoras (estas, interpreto eu, tinham outras áreas de lazer: liam fotonovelas ou romances, preparando-se para assistir às historicamente mais recentes telenovelas). Embora ainda resista a ideia de clube masculino, o surpreendente, esclarece Douglas Wolk, é o padrão estar a mudar. Em parte porque a cultura do criador de BD se foca no fã. Depois, porque, nos Estados Unidos, o fenómeno da manga (BD japonesa) é uma tendência das raparigas. Mesmo entre os criadores, aparecem mulheres. A leitura das mangas e a cultura da internet fornecem parceiros de gosto.

Além disso, o mundo de leitores de BD é juvenil, onde se cultivam os super-heróis. A história do super-herói tem rituais e fórmulas que se traduzem em repetição (o fenómeno estende-se ao cinema do fantástico que tem sido moda nos últimos 20 anos). Com o crescimento da cultura de colecção, alarga o universo dos super-heróis. Virtualmente todos os autores de BD trabalharam, em algum momento da sua actividade, na iconografia dos super-heróis: eles são o Flash Gordon, o Homem Aranha, o Super Homem, o Batman, a Mulher Maravilha. A ideia de BD dos super-heróis dura mais do que uma vida humana, o seu culto quase que passa de pais para filhos.

Apesar de a BD ser um meio para leitores individuais, que a consomem nos seus lares, há um aparato social como a ida semanal à loja, a ida à convenção, a discussão on-line pós-leitura (em fórum).

Wolk fala dos termos em inglês: comic, comic book, graphic novel. Cria-se a ideia séria da BD por oposição à simples BD e surge a ideia de cultura própria do medium. Há igualmente a ideia de um mundo de fantasia, um prazer partilhado na leitura de uma BD ou no simples decifrar de uma onomatopeia ou até a interpretação de personagens e adereços. O medium BD é construido igualmente na ideia de escapismo e do prazer que ele nos dá. A BD de género promete um escape com uma versão de mundo intensa e excitante ou, se quisermos pensar de modo distinto, um tipo de visão diferente.

O facto mais significativo da BD é que ela assenta em desenhos e não pretende alcançar a representação da realidade como a fotografia ou o filme. A BD é sempre uma coisa ou pessoa, real ou imaginada, movendo-se no espaço ou no tempo, transformada pelo olhar e mão de alguém. Há o desenho de caneta, rápido na feitura da imagem e rápido na impressão. Claro que o desenho clássico procura aproximar-se daquilo que o artista vê. Se ele simplifica detalhes é porque não dá relevo ao que a retina apanha. O cartoon é um desenho diferente, com um objectivo de distorcer e fazer a abstracção simbólica. O cartoon é um efeito de interpretação.

Assim, se a BD está próxima da literatura, ela é mais visual e menos verbal. Uma imagem sem texto para ler entende-se como uma pausa. Sem um acto de linguagem como temporizador ou sinal contextual para compreender a imagem, cada mudança visual obriga o leitor a parar e procurar entender o que se passa. O domínio da combinação da palavra e da imagem é espaço e tempo. Às vezes, nem sequer existe a linha a enquadrar a imagem, o que permite parar ou saltar para compreender.

A mensagem acompanha de perto o texto de Douglas Wolk (2007). Reading comics. How graphic novels work and what they mean. Cambridge: Da Capo Press (em especial a primeira parte, até à página 134, que trata da teoria e história da BD; a segunda parte apresenta sugestões de leituras).

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