sábado, 22 de setembro de 2007

PÚBLICOS DA CULTURA


Na primeira parte do seu texto, João Teixeira Lopes (2007: 11-72), aborda o conceito de cultura (as múltiplas leituras), o modelo hierarquizado (tricotomia) e a sua crítica, formação de públicos e constituição de políticas culturais.

O que me interessa sobremaneira é a sua análise e crítica ao modelo hieraquizado (alta cultura ou cultura erudita, cultura média ou de massas, cultura popular ou baixa cultura) e a representação de públicos. No seio da cultura, lembra-se a existência de um capital simbólico colectivo acumulado ao longo da história (p. 24). João Teixeira Lopes considera também que, para observar essa realidade, há uma compartimentação disciplinar a que convém dar atenção: de um lado, a sociologia da cultura, consagrada ao estudo das obras e da produção cultural nobre; de outro lado, a sociologia do quotidiano, que estuda o trivial e o anódino (p. 22), a cultura popular e de massas. A última, a cultura de massas, surgida no apogeu do capitalismo fordista, nos anos 1930, tem uma marca ligada, por isso mesmo, à produção em série e à sociedade do consumo (p. 25). As indústrias culturais, especifica, representam a ligação ao lazer e aos tempos livres e apagam sinais de classe, região, género ou idade - uma cultura para todos. E ainda a associação à cultura-espectáculo e a sentimentos de identificação, através do star system.


O modelo (expresso no quadro acima, p. 29) é contestado. Em seu lugar, João Teixeira Lopes procede a um inventário. Primeiro, há a irrupção da diferença e a substituição da ideia de massa pela de audiências parciais. Depois, múltiplas estruturas organizacionais e diversidade de produtos culturais e mercados acarretam múltiplos arranjos entre criadores, intermediários e públicos, destruindo a homogeneidade dos públicos dos níveis de cultura. Terceiro, dá-se um eclectismo de gostos e preferências de públicos, resultado de princípios de classificação comercial e emergência de mundos autónomos e concorrentes (p. 36). Quarto, a noção de hipermobilidade ou acesso físico ou simbólico às vias e aos meios de aceleração, com distinção entre a mobilidade real (para as classes mais favorecidas) e mobilidade virtual (para as desfavorecidas). Crítico, João Teixeira Lopes fala em democratização tecnológica (ter um telemóvel, comprar um computador) e literacia digital (ter recursos para criar informação, seja uma página na internet ou um blogue).

Antes de apresentar as regularidades que contribuem para a definição de públicos, o sociólogo anota a ideia da recepção cultural como prática cultural (p. 43): se os críticos, investidos do poder simbólico capaz de determinar o valor das obras, os receptores ou público tendem a organizar os seus universos de referência por coordenadas pré-modernas, com a identificação de personagens ou cenários, sem elementos de enquadramento e capacidade crítica. João Teixeira Lopes fala ainda em cultura superficial (caso dos livros de auto-suporte) e comenta a noção de comunidade interpretativa, pois considera que um qualquer receptor circula por várias comunidades interpretativas, criando repertórios sincréticos (p. 45).

Tendências principais das práticas culturais portuguesas (pp. 51-56)

A primeira indica uma intensa participação nos espaços e tempos domésticos-receptivos (galáxia audiovisual). Mas, nestas práticas domésticas, verifica-se heterogeneidade: práticas receptivas (ver televisão), operacionais (usos de carácter amador), intelectivas (leitura), conviviais (receber ou visitar amigos). A prática convivial funciona articulada e complementada em quadros de sociabilidade local (cafés, cabeleireiros, clubes).

Uma segunda grande tendência é a da rarefacção das saídas culturais. Com a provável excepção do cinema, há poucas saídas de cultura cultivada (teatro, concertos de música erudita, exposições). Verifica-se também um baixo nível de práticas criativas (como escrever, pintar, etc.).

A terceira grande tendência é a da intensa juvenilização das práticas culturais. Fala-se de indução juvenil ou capital de juvenilidade, possivelmente porque a massificação dos níveis superiores de ensino foi tardia no país e, por isso, os jovens são os mais escolarizados da sociedade. Mas o autor fala igualmente em clivagens entre os jovens, atendendo às modalidades de transição para a vida adulta: um estudante tem práticas culturais mais regulares que um trabalhador casado. Fala igualmente num brusco envelhecimento cultural, que tem a ver com as condições anteriores: o indivíduo que trabalha dispõe de menos tempo livre para as práticas culturais. O envelhecimento cultural é desigual ainda em termos de capital escolar, caso das práticas criativas, que exigem mais tempo do que as meras práticas receptivas. Associa-se a esta tendência aquilo a que o autor chama, seguindo outros sociólogos, de dissociação entre cultura cultivada (capital escolar, título académico) e cultura letrada (capital cultural).

Uma quarta tendência principal é a importância das redes de sociabilidade na estruturação das práticas de saídas culturais: a motivação e a informação provém de amigos, que assim prolongam a fruição e a companhia. O que implica uma atenção nova para interpretar os modos como os indivíduos usam a cultura para estabelecer contactos entre si.

Leitura: João Teixeira Lopes (2007). Da democratização à democracia cultural. Uma reflexão sobre políticas culturais e espaço público. Porto: Profedições

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