terça-feira, 16 de outubro de 2007

MEDIA E SECRETO


O primeiro número deste ano da revista Cultural Studies tem como tema central o segredo. A este associam-se a política, a transparência e a responsabilidade social.

Vejo primeiro a oferta de tópicos em Clare Birchall, da Middlesex University of London, que assina a introdução e o texto Cultural Studies confidential: inteligência secreta, passar segredos a, mais revelações, segredo com suspeito, pontos escondidos no segredo, fuga de informação secreta, ignorar protocolos de segredo, vigilância secreta, mais procurado (Osama bin Laden, claro). A autora começa o artigo de uma forma desarmante: nós não tomamos conhecimento de um segredo (político, militar, corrupção) quando ele permanece secreto; apenas conhecemos o segredo quando ele começa a ser revelado. Há também a ideia de que a informação secreta é a melhor informação, mas esta só adquire o estatuto de melhor informação quando o segredo deixa de o ser. O segredo, uma crescente arma usada pelos políticos e pelos militares é, deste modo, um bom tema de estudo a que a revista não se furta.

Jacques Derrida e a sua noção de segredo incondicional assiste alguns dos artigos presentes na revista liderada por Lawrence Grossberg e Della Polock, ambos docentes na Universidade de North Caroline, nos Estados Unidos. Jeremy Gilbert tem um olhar mais pessimista do assunto, Jack Bratich um menos carregado.


Gilbert, oriundo da University of East London, principia por analisar a vida privada dos famosos e dos poderosos, um tema fulcral no dispositivo mediático de hoje. E observa a perda de importância do "público" - sector público, esfera pública, domínio público (p. 23). A coisificação do conhecimento (em inglês: commodification of knowledge) e a intensificação dos processos de inovação aumentam o valor e o efeito efeméro do novo, de modo que a experiência de ser o primeiro a ver-ouvir-comprar-saber é simultaneamente uma experiência de rotina e central ao envolvimento (e poder sobre) do conhecimento de qualquer tipo. Daí resulta o relacionamento entre segredo, conhecimento, privado, público.

O declínio do domínio público é indissociável da cultura crescente do segredo - na governação, por exemplo. Gilbert acentua que a perda da participação democrática no Reino Unido vai a par da maior utilização de departamentos governamentais para agirem ilegalmente, sem responsabilidade e de forma secreta. A pressão política a que foi submetido um cientista britânico ligado a organização governamental, em que ele afirmou, enquanto fonte anónima, não existirem armas de destruição em massa no Iraque - razão principal para a invasão daquele país - levou-o à morte por suicídio.

Já Jack Bratich, docente em Jornalismo e Estudos dos Media na Rutgers University, aborda a Guerra do Golfo (1991) como um espectáculo mediático, com relevo para a visibilidade do secreto. Ou seja, o secreto faz parte da oferta do espectáculo, através das fugas de informação, do emprego de "revelações preventivas", das origens ocultas da evidência e do misterioso aparecimento e desaparecimento de agências governamentais. Podemos dizer que há sempre uma versão pública do secreto. E esta conduta não faz apenas parte do esforço de propaganda de um governo mas também entra na cultura popular ou urbana.


Bratich encontra os livros de Dan Brown como argumento, pois os segredos contidos na trama dos livros é uma longa avenida de segredos mantidos ao longo dos séculos. Vivemos, pois, uma cultura do segredo que se desoculta, mas nem todos os pormenores são fornecidos de modo a que alguma coisa secreta se mantenha. Bratich faz, depois, uma longa incursão pela história e chega à questão das máscaras ou dos passa-montanhas dos guerrilheiros zapatistas, no México. Para além da não identificação pessoal pela polícia, trata-se, para o investigador, de uma imagem de marca que significa que o poder torna-se colectivo mas de modo imperceptível, como Deleuze e Guattari definiam (p. 52). A clandestinidade trazida pelo passa-montanhas é, em simultâneo, uma ajuda mútua, uma táctica que promove a colectividade. Tornar-se imperceptível cria uma singularidade, uma comunidade sem identidade mas que mantém a sua posse intacta.

O segredo - ou o secreto - é, assim, um instrumento para atingir objectivos nas sociedades dominantes actuais. É ainda uma forma da cultura dissidente, com uma afirmação pública do secreto através da presença oculta.

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