domingo, 11 de novembro de 2007

ESTUDOS COMPARADOS (1)


De Henrik Ibsen, vi recentemente encenações de O construtor Solness e Casa de bonecas (adaptação). Ibsen está considerado como "um dos dramaturgos mais importantes e influentes em toda a literatura dramática universal" (Carlos Aladro, encenador da peça O construtor Solness, com Luís Miguel Cintra e Beatriz Batarda entre outros, no teatro Cornucópia, em Lisboa).

Henrik Ibsen (1828-1906), norueguês - numa altura em que o seu país procurava raízes culturais para se afastar da influência da Dinamarca e da Suécia, países que haviam dominado a Noruega -, nasceu numa família abastada, mas a ruína espreitá-la-ia quando ele tinha 15 anos. Ibsen trabalhou num boticário, indo mais tarde para Oslo para estudar medicina, não entrando porém na universidade.

O teatro era a sua grande paixão, tendo tomado cargos importantes em alguns teatros noruegueses, como o de Cristiania. As suas ideias e o facto de o público ter recebido mal as suas peças levam-no ao exílio, vivendo na Alemanha e em Itália. Nas suas peças trabalha o naturalismo da representação e utiliza o diálogo coloquial moderno (do catálogo de O construtor Solness).

Na peça, Solness é "um patético construtor [...], que tem mau génio e mau perder, apalpa a guarda-livros, maltrata os empregados, trama os colegas, é ambicioso como quase toda a gente, e quer beijar uma garota apetitosa" (Luís Miguel Cintra, no mesmo catálogo). Cintra interpreta o papel de Solness, enquanto Beatriz Batarda faz de jovem Hilde, dois papéis muito bem desempenhados. Hilde tem idade (23 anos), Solness não, mas possui certamente mais 40 anos que ela. Solness julga-se eterno ganhador mas a velhice e a morte começam a assustá-lo. Isto quando Hilde lhe surge em casa, reclamando uma promessa antiga. Lentamente, as contradições tomam posse nele, urdido na teia que a rapariga lhe traça. Solness acaba por morrer (de medo), ao subir a uma torre que construira (e que escala, caindo da vertigem da altura).


A (uma) mulher desempenha a posição charneira. Se Solness não dá atenção à mulher (de quem diz estar morta embora viva), a jovem exerce um fascínio que o leva a ceder em todos os sentidos. Aqui, a história pessoal de Ibsen tem importância. Aos 61 anos, iniciava uma relação com uma mulher muito mais nova, Emilie Bardach, a primeira de quatro relações sucessivas com mulheres muito jovens. Três anos depois, em 1892, escrevia O Construtor Solness, onde se evidencia essa relação e o tema da juventude aparece em primeiro lugar.

De arquitectura complexa, em que os actores/actrizes desenvolvem personagens difíceis, num cenário sóbrio, quase austero, a relação homem velho/mulher nova é, como escrevi acima, essencial. Mas realço o lugar da mulher em si. Se a mulher de Solness tem uma relação de inferioridade com ele, Hilde ganha ascendente. A história pessoal do autor e o lento movimento social fazem o género feminino ganhar espaço no interior da família.

É o que se observa em Casa de bonecas. Dirigido por Lee Breuer para a companhia Mabou Mines (Nova Iorque), em curta digressão em Madrid (Teatro Español), na casa das bonecas os homens têm a altura dos brinquedos ou das crianças, caso de Torvald Helmer, Rank e Krongstad.

Diz o pequeno catálogo que acompanhou a peça, representada em estilo pós-modernista: "É a casa das bonecas na realidade um mundo patriarcal, em que não há lugar para a mulher? Através desta metáfora, o feminismo de Ibsen mostra-se como uma parábola à medida. A casa das bonecas é o mundo onde podem habitar apenas as mulheres-boneca que permitem aos seus homens sentirem-se superiores". Mas Nora Helmer, a dona da casa de bonecas, supera-se, e despede-se de Torvald (e das crianças), marcando a morte do amor.

Do mesmo modo que em O Construtor Solness, Casa de bonecas é igualmente uma peça complexa e de grande dramatismo e esforço físico dos actores/actrizes. Nesta segunda peça, Maude Mitchell (que faz de Nora), retira a cabeleira, mostrando a nuca rapada, e despe-se, abandonando o palco e apresentando-se num camarote, com voz distorcida. Isto enquanto no fundo do palco um teatrinho de fantoches reproduz camarotes com pares abanando a cabeça e gesticulando. A imolação de Nora significa redenção, recomeçar a vida, vitória da mulher sobre a condição doméstica.


Em trinta anos de existência do Teatro da Cornucópia, esta é a primeira vez que Ibsen é representado.

Casa de bonecas (peça representada em inglês mas com legendas em castelhano) foi premiada este ano no Festival de Edimburgo. A companhia Mabou Mines está a rodar um filme sobre o espectáculo, a apresentar no Festival de Cinema de Sundance de 2008. A companhia existe desde 1970 e tem seis elementos permanentes que trabalham simultaneamente como actores, escritores, desenhadores e técnicos, tendo começado a sua trajectória com montagens de performance em círculos de vanguarda de Nova Iorque. Nos anos mais recentes, alargou a sua actividade, incluindo obras radiofónicas, longas-metragens, trabalhos em vídeo e textos gerados por computador.

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