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Como já indiquei aqui, Tânia Leão publicou no mais recente volume da revista Trajectos um texto intitulado O(s) público(s) do Fantasporto. Perfis e modalidades de apropriação ritualista do Festival Internacional de Cinema do Porto, onde aborda a formação dos públicos da 23ª edição do Festival Internacional de Cinema do Porto (Fevereiro-Março de 2003).
Dado uma das minhas linhas de investigação englobar o estudo de públicos (e sua formação), prestei muita atenção ao texto citado. A investigação teórico-metodológica - e que foi base de uma tese de mestrado da autora, defendida em 2007 - assenta em três eixos fundamentais: 1) dimensão da oferta, 2) dimensão da procura (frequentadores do Fantasporto), e 3) análise do contexto. Ela partiu do princípio observado em estudos sobre hábitos e práticas culturais que identificaram a existência de práticas intermédias – como o cinema – enquanto transição entre consumos cultivados e massificados (p. 32).
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Na investigação, foram definidas cinco categorias de espectadores, a partir de vários indicadores (antiguidade, modo de ingresso, número de sessões a ver, natureza das relações de sociabilidade no Fantasporto, apropriação passiva ou activa do espaço do festival) (pp. 35-36):
1) Núcleo-duro – frequentam regularmente o Fantasporto, possuem passe de participante, estão diariamente no espaço do Fantas, adquiriram uma rede de sociabilidade forte e têm uma relação privilegiada com o topo da hierarquia do Festival,
2) Habituais – frequentam regularmente o Fantasporto, recorrem a várias modalidades de ingresso, estão quase todos os dias no espaço do Fantas, possuem rede de sociabilidade,
3) Aspirantes – frequentam regularmente, estão com alguma assiduidade no espaço do Fantas, possuem rede de sociabilidade e mantêm alguma relação com o núcleo-duro,
4) Flutuantes – frequentam esporadicamente e seleccionam as sessões a que assistem, com rede fraca de sociabilidade,
5) Novatos – frequentam pela primeira vez o festival, sem rede de sociabilidade.
Há uma relação entre fidelização com o Festival e aumento da idade dos participantes e o género é determinante, pois o núcleo-duro é exclusivamente masculino, associado à temática do festival – cinema do fantástico e do terror.
Os novatos e flutuantes representam o maior número de espectadores do evento, mas muita da vida do Festival deve-se aos elementos do núcleo-duro, habituais e aspirantes. Há, também, um efeito geracional/familiar, uma espécie de passagem de testemunho de uma geração mais velha à mais nova, o que quer dizer que o Festival é um acontecimento cultural e social de relevo. Os espectadores novatos lidam com uma sensação de deslumbramento resultante da experiência de assistir a cinema em circunstâncias distintas das salas tradicionais, partilhando colectivamente emoções durante a exibição de alguns filmes.
Tânia Leitão faz um paralelismo entre o certame e diferentes grupos de rituais (p. 41): 1) ordem cultural (casos dos concertos rock/pop), de reunião de multidões e uma espécie de mística com efervescência colectiva, 2) desportivo, permitindo a manifestação de emoções colectivas (gritos, ovações, palmas), 3) de interacção quotidiana, marcada pela convivialidade, 4) do corpo, com representação e figuração ligados ao estatuto, valores, condutas e ideologias dos indivíduos.
Leitura: Tânia Leão (2007). "O(s) público(s) do Fantasporto. Perfis e modalidades de apropriação ritualista do Festival Internacional de Cinema do Porto". Trajectos, 11: 31-44
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