Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
UM PROJECTO DE PÓS-DOUTORAMENTO – QUE ME LEMBREI DE ESBOÇAR HOJE MAS NÃO VOU FAZER (2)
[continuação do texto do dia 6]
Uma segunda grande mudança que podemos encontrar nestes últimos 40 anos prende-se com o consumo da música. A rádio, em 1968, já tinha passado pelo seu período de ouro, ocupada que estava com a concorrência crescente da televisão, meio de comunicação que começava a massificar-se por essa altura. A rádio perdia, assim, audiências mas soube reduzir essa perda graças a uma alteração tecnológica que, apesar de inventada décadas antes, ganhava peso: a modulação de frequência.
A nova tecnologia, explorada em novas frequências hertzianas, trouxe outras estéticas em termos de programação e uma nova geração de profissionais, mais jovens, de cultura cosmopolita e de formação académica superior. Ao mesmo tempo, e como resultado disso, começou uma especialização das rádios, atravessada por um período rico experimental, o das rádios piratas ou livres na segunda metade da década de 1980 – movimento muito sentido nos países da Europa do Sul – ou rádios comunitárias – nos países da América do Sul. A perda de audiências em geral ficava compensada pela angariação de audiências especializadas.
Apesar de números mais baixos, esses nichos de mercado eram importantes para a publicidade, pois esta pode-se orientar melhor para os potenciais clientes de produtos e serviços. A estratégia de medição de audiências passou por esse movimento de fragmentação de públicos ou audiências, facilitando o contacto graças a mensagens mais bem direccionadas.
O walkman e, depois, o mp3 (mais conhecido por iPod, marca que ganhou hegemonia nos seus compradores) marcaram ou representaram uma filosofia de vida distinta. A rádio deixava de ser fixa e passava a ser mais móvel (movimento iniciado com o rádio transístor nos anos de 1960, quando se viam as pessoas com o aparelho quase colado ao ouvido). O movimento foi semelhante ao do telefone. Isso significa nomadismo e liberdade, além da necessidade de construir os seus programas ou conjunto de músicas a ouvir, deixando de ser controlado pelo programador.
Aqui, há uma contrapartida: deixa de existir a possibilidade de encantamento que se pode esperar do programador e passa-se a ter a preocupação de trabalhar o próprio conteúdo. O gravador de fita magnética e de cassetes já criara esse hábito, mas a massificação foi agora muito maior. O walkman é contemporâneo do aumento de disponibilidade de viajar e de descobrir e encontrar outras pessoas e sociedades. Ouvir música deixa de ser um hábito de consumo apenas em casa mas em qualquer parte onde se esteja. O walkman, e mais especialmente o mp3, levam o indivíduo a consumir mais música mas menos através do rádio.
A construção de programas de música leva a duas consequências: criação de redes sociais que trocam ficheiros com músicas, especializando o grupo com estéticas e gostos próprios e de grupo de fãs que se pode fechar; abandono da escuta da rádio, por ser um sistema orientado do programador para o ouvinte; actualização permanente, possível num período da vida (final do secundário e durante os primeiros anos de universidade), mas de menor intensidade no período seguinte (profissão, família), o que torna o gosto estético adquirido rapidamente obsoleto.
Do mesmo modo que nas telecomunicações, o hábito de ouvir música torna obsoletos os equipamentos – o que significa que a geração e meia que falei no começo deste texto seja decomposta em mais níveis geracionais (subgeracionais) de cada cinco ou seis anos, correspondendo ao período do final do secundário e do começo da universidade.
Quanto a profissões, se as ligadas ao rádio se mantêm, nasce ou amplia-se um novo conceito, o do amador cujas competências se aproximam do profissional (o pro-am de Chris Anderson, em A cauda longa). Isso está a ser mais evidenciado pelas tecnologias ligadas à imagem, como o vídeo ou os blogues.
Podemos rever o movimento actual de amadores profissionais como o que ocorreu no começo da rádio no começo da década de 1920, embora o movimento actual seja muito mais massificado e com criatividade mais alargada, dada a maior oferta de serviços e tecnologias.
[continua]
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2 comentários:
E com que voz?
"Aqui, há uma contrapartida: deixa de existir a possibilidade de encantamento que se pode esperar do programador e passa-se a ter a preocupação de trabalhar o próprio conteúdo."
E quem nos encanta agora? Entregues a nos mesmos, livres, rodeados de oferta, e mais isolados. Quando viajo ouço quase sempre a radio, necessidade de me sentir ligada à "terra", de me encantar. E agora lembrei-me de que o IC nao tem voz...
Questao de "encantamento"!
Oui,j'aimerais entendre la voix:
" la voix humaine".
(Cocteau)
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