domingo, 11 de maio de 2008

FUTEBOL E A CIDADE


O artigo de António Barreto no jornal Público de hoje é muito acertado, quando ele combina futebol e cidade (Porto). Esta semana foram conhecidas decisões da comissão disciplinar da Liga de Futebol contra três clubes da primeira divisão daquela modalidade (dois dos quais do Porto).

Barreto, depois de ver, ouvir e ler as notícias, não tem dúvidas sobre a justeza das decisões. Eu também não.

Contudo, parece haver uma ligação com outras coisas. Ao futebol - de que destaco a maior punição, a descida de divisão aplicada ao Boavista, no que significa uma perda de influência da cidade -, associa-se a visão de quem visita o Porto. Sente-se um decréscimo de força política, económica e cultural da cidade. Há zonas históricas da cidade muito degradadas. Se, até há pouco, a rua Mouzinho da Silveira, em direcção ao rio Douro, espelhava a perda de actividade empresarial e comercial, a rua 31 de Janeiro apresenta um comércio cada vez mais decrépito por cada visita que faço à cidade.

Esta semana, Ludgero Marques, presidente cessante de uma associação patronal, dizia que alguns dirigentes políticos e económicos da cidade estavam entre os responsáveis pela degradação, pois se tinham deslocado para Lisboa (para viver, para tratar das suas actividades) e se haviam tornado cabeças pensantes lisboetas. Achei as palavras dele muito pouco felizes, erradas e sem oportunidade. As cidades justificam-se pelo seu dinamismo ou inacção e não porque "alguns dirigentes" são trânsfugas.

País de emoções, Portugal vibra muito com o futebol. E o Porto, que nas décadas mais recentes, viveu muitas glórias no desporto, está acabrunhado. Primeiro pelo desaparecimento do Salgueiros, um clube de bairro desfeito pelo inevitável choque com clubes ligados a grandes grupos económicos, que elimina os pequenos, como numa outra actividade qualquer (associado a uma extrema falta de perspectiva estratégica). Agora, pela queda do Boavista, sente-se avolumado esse incómodo da perda de vitalidade.

A capa da edição de ontem do Jornal de Notícias (Porto) é ilustrativa. A fotografia que acompanha a principal notícia é a de um homem, aparentando mais de cinquenta anos e vestido com adereços que o identificam como fã do Boavista, a chorar. Igualmente desapontada, mas mais lúcida e combativa, uma mulher atrás, tenta, com a sua mão, chegar até ele, numa posição de solidariedade. Uma segunda mulher, colocada entre os dois, quase a morder um lábio e mais afastada no plano da fotografia, parece resignada, em contraponto com os dois outros elementos.

Não estamos a falar de racionalidade (como diria Jürgen Habermas) mas de afectos (como falava ontem Lawrence Grossberg, na sua inolvidável passagem pela UCP). A vida económica de uma cidade vive de racionalidade, o futebol vive de afectos, mas ambos, no final, são necessários. O homem que chora expressa afectos. São irracionais, é verdade, mas isso resulta da perda, sabe-se lá, da quase última esperança dele. Quem sabe se perdeu o emprego? Ou se o valor do seu salário é pequeno e a sua alegria era apenas dada pelas vitórias do seu clube?

Fotografia da capa do jornal: Artur Machado.

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