Na Dialéctica do Esclarecimento (1985), Adorno ("A indústria cultural") escreve que, na cultura contemporânea, tudo tem um ar de semelhança. Cinema, rádio e revistas constituem um sistema: "Cada sector é coerente em si mesmo e todos o são no conjunto".
Por outro lado, escreve Adorno que o cinema e a rádio não precisam mais de se apresentarem como arte, pois se definem a si próprios como indústria. Mais à frente, lê-se que a indústria cultural se desenvolveu com o predomínio do efeito, da performance tangível e do debate técnico sobre a obra. Amargo, Adorno continua: a indústria cultural coloca a imitação como termo absoluto, reduzida ao estilo, à obediência e à hierarquia social. A cultura já inclui a classificação que a leva ao domínio da administração.
Nota-se ainda uma outra ideia bem precisa – nos países liberais triunfa a indústria cultural – cinema, rádio, jazz, revistas. Em que igualmente têm sucesso o sketch, a história curta, o filme de tese, o êxito de bilheteira. A indústria cultural permanece a indústria de diversão, o seu controlo sobre os consumidores é medido pela diversão. E: a indústria cultural não sublima, mas reprime e a diversão favorece a resignação.
Heroificação do indivíduo mediano que faz parte do culto do barato, renegação da sua autonomia pela arte e utilidade que os homens dão à obra de arte são outros elementos do texto sobre indústria cultural.
António Sousa Ribeiro, no seu prefácio ao livro de Adorno (Sobre a indústria da cultura), anota a diferença estabelecida entre Adorno e Benjamin, aquele conservando uma concepção ascética da obra de arte, concentrado na linguagem e na individualidade da obra de arte que recusa a lógica mercantil, este defendendo a universalização do acesso à produção cultural. Adorno vê a produção cultural como integração na lógica mercantil capitalista e a redução do receptor ao estatuto de simples consumidor. Ribeiro olha a Dialéctica do Esclarecimento como o texto onde Adorno (e Horkheimer) vê os mecanismos de produção cultural de massas como forma de represssão correspondente ao atrofiar da autonomia do sujeito. Mais à frente, Ribeiro fala dos fragmentos filosóficos da Dialéctica do Esclarecimento como traçando um quadro de autodestruição de uma razão que, baseada no progresso, reduz o ser humano a fins instrumentais. A razão passa a ser funcional (embora não o explicite, há aqui uma leitura relacionando Adorno com Lazarsfeld) e adquire uma função repressiva e auto-repressiva, conclui Ribeiro. Há uma dimensão integradora, a incorporação da produção e do consumo, a sociedade administrativa, em que público e produtor se submetem à lógica de um sistema. À arte reserva-se um problema da legitimidade (ver a Teoria Estética) ou até do seu direito à existência. A única estética é a da estética da negatividade. Ribeiro chama a atenção para variações decisivas no quadro geral da análise de Adorno. Se manteve o juízo negativo sobre o jazz, relativizaria a sua perspectiva sobre o cinema.
No texto de 1968 ("A indústria cultural", em Gabriel Cohn, org., 1978), Adorno refere o emprego do termo indústria cultural como substituto da expressão cultura de massa (1947), separando-a da produção espontânea das massas, da forma contemporânea da arte popular. A indústria cultural distingue-se desta, pois em todos os ramos se fazem produtos adaptados ao consumo das massas e que, em grande parte, determinam esse consumo. A indústria cultural, diz Adorno, é a integração deliberada dos seus consumidores, a partir do alto. O novo na indústria cultural é o primado do efeito, calculado sobre os pontos mais típicos. Em que as produções do estilo não são também mercadorias mas são integralmente mercadorias. E em que a dominação técnica retira a consciência às massas, impedindo a formação de indivíduos autónomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente.
Porquê este discurso de negatividade em Adorno? Primeiro, porque o impacto do genocídio judeu provocado pelo nazismo ficou para todo o sempre como marca da filosofia da escola de Frankfurt. Depois, porque a mudança da Alemanha para os Estados Unidos pôs Adorno (e Horkheimer) em contacto com outros meios de comunicação e outras estéticas. A alta cultura a que estava habituado na Alemanha foi confrontada com a cultura de massas nos Estados Unidos, o que conduziu a uma análise pessimista sobre a produção e recepção cultural. Além disso, deve ler-se Adorno com cautela: como escreve Artur Morão, o tradutor de Teoria Estética, o filósofo alemão não é fácil, mas intuitivo, aforismático e subtil, em que, para além de uma linguagem específica, tem uma maneira de se expressar não imediatamente apreensível e é elíptico.





Leituras: Gabriel Cohn (org.) (1978). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional
Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor
Theodor Adorno (2003). Sobre a indústria da cultura. Coimbra: Angelus Novus (com organização e prefácio de António Sousa Ribeiro
Theodor Adorno (1982). Teoria Estética. Lisboa: Edições 70
Observação: as Edições 70, num esforço muito louvável, estão a reeditar as obras de Adorno, de que destaco a Teoria Estética, já em 2008.
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