quarta-feira, 14 de maio de 2008

NOTAS PARA UMA AULA DE TEORIA DA COMUNICAÇÃO (10)


Na Dialéctica do Esclarecimento (1985), Adorno ("A indústria cultural") escreve que, na cultura contemporânea, tudo tem um ar de semelhança. Cinema, rádio e revistas constituem um sistema: "Cada sector é coerente em si mesmo e todos o são no conjunto".

Por outro lado, escreve Adorno que o cinema e a rádio não precisam mais de se apresentarem como arte, pois se definem a si próprios como indústria. Mais à frente, lê-se que a indústria cultural se desenvolveu com o predomínio do efeito, da performance tangível e do debate técnico sobre a obra. Amargo, Adorno continua: a indústria cultural coloca a imitação como termo absoluto, reduzida ao estilo, à obediência e à hierarquia social. A cultura já inclui a classificação que a leva ao domínio da administração.

Nota-se ainda uma outra ideia bem precisa – nos países liberais triunfa a indústria cultural – cinema, rádio, jazz, revistas. Em que igualmente têm sucesso o sketch, a história curta, o filme de tese, o êxito de bilheteira. A indústria cultural permanece a indústria de diversão, o seu controlo sobre os consumidores é medido pela diversão. E: a indústria cultural não sublima, mas reprime e a diversão favorece a resignação.

Heroificação do indivíduo mediano que faz parte do culto do barato, renegação da sua autonomia pela arte e utilidade que os homens dão à obra de arte são outros elementos do texto sobre indústria cultural.

António Sousa Ribeiro, no seu prefácio ao livro de Adorno (Sobre a indústria da cultura), anota a diferença estabelecida entre Adorno e Benjamin, aquele conservando uma concepção ascética da obra de arte, concentrado na linguagem e na individualidade da obra de arte que recusa a lógica mercantil, este defendendo a universalização do acesso à produção cultural. Adorno vê a produção cultural como integração na lógica mercantil capitalista e a redução do receptor ao estatuto de simples consumidor. Ribeiro olha a Dialéctica do Esclarecimento como o texto onde Adorno (e Horkheimer) vê os mecanismos de produção cultural de massas como forma de represssão correspondente ao atrofiar da autonomia do sujeito. Mais à frente, Ribeiro fala dos fragmentos filosóficos da Dialéctica do Esclarecimento como traçando um quadro de autodestruição de uma razão que, baseada no progresso, reduz o ser humano a fins instrumentais. A razão passa a ser funcional (embora não o explicite, há aqui uma leitura relacionando Adorno com Lazarsfeld) e adquire uma função repressiva e auto-repressiva, conclui Ribeiro. Há uma dimensão integradora, a incorporação da produção e do consumo, a sociedade administrativa, em que público e produtor se submetem à lógica de um sistema. À arte reserva-se um problema da legitimidade (ver a Teoria Estética) ou até do seu direito à existência. A única estética é a da estética da negatividade. Ribeiro chama a atenção para variações decisivas no quadro geral da análise de Adorno. Se manteve o juízo negativo sobre o jazz, relativizaria a sua perspectiva sobre o cinema.

No texto de 1968 ("A indústria cultural", em Gabriel Cohn, org., 1978), Adorno refere o emprego do termo indústria cultural como substituto da expressão cultura de massa (1947), separando-a da produção espontânea das massas, da forma contemporânea da arte popular. A indústria cultural distingue-se desta, pois em todos os ramos se fazem produtos adaptados ao consumo das massas e que, em grande parte, determinam esse consumo. A indústria cultural, diz Adorno, é a integração deliberada dos seus consumidores, a partir do alto. O novo na indústria cultural é o primado do efeito, calculado sobre os pontos mais típicos. Em que as produções do estilo não são também mercadorias mas são integralmente mercadorias. E em que a dominação técnica retira a consciência às massas, impedindo a formação de indivíduos autónomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente.

Porquê este discurso de negatividade em Adorno? Primeiro, porque o impacto do genocídio judeu provocado pelo nazismo ficou para todo o sempre como marca da filosofia da escola de Frankfurt. Depois, porque a mudança da Alemanha para os Estados Unidos pôs Adorno (e Horkheimer) em contacto com outros meios de comunicação e outras estéticas. A alta cultura a que estava habituado na Alemanha foi confrontada com a cultura de massas nos Estados Unidos, o que conduziu a uma análise pessimista sobre a produção e recepção cultural. Além disso, deve ler-se Adorno com cautela: como escreve Artur Morão, o tradutor de Teoria Estética, o filósofo alemão não é fácil, mas intuitivo, aforismático e subtil, em que, para além de uma linguagem específica, tem uma maneira de se expressar não imediatamente apreensível e é elíptico.



Leituras: Gabriel Cohn (org.) (1978). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional
Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor
Theodor Adorno (2003). Sobre a indústria da cultura. Coimbra: Angelus Novus (com organização e prefácio de António Sousa Ribeiro
Theodor Adorno (1982). Teoria Estética. Lisboa: Edições 70

Observação: as Edições 70, num esforço muito louvável, estão a reeditar as obras de Adorno, de que destaco a Teoria Estética, já em 2008.

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