Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
segunda-feira, 19 de maio de 2008
NOTAS PARA UMA AULA DE TEORIA DA COMUNICAÇÃO (11)
Com base no texto de Justin O’Connor (The cultural and creative industries: a review of the literature, 2007), fiz uma leitura dividida em dez pontos:
1) Relação entre cultura e economia - não se trata da simples questão de arte ou mercado. No século XX, a produção de bens culturais foi acelerada com o desenvolvimento das tecnologias de reprodução: a digitalização sucede a Gutenberg, a produção aumentou a sua capitalização.
2) Indústria cultural - expressão usada inicialmente por Theodor Adorno e Max Horkheimer (1947). Adorno, nos seus textos sobre cinema, rádio, jornais, jazz e música popular, reafirmou que, sob o capitalismo monopolista, a arte a a cultura são absorvidas pela economia. A indústria cultural queria então dizer que havia o controlo total das massas. Adorno associava indústria cultural americana e fascismo europeu.
3) Reprodutibilidade técnica - Walter Benjamin falou da aura do objecto de arte (e da sua erosão na cultura contemporânea), dadas as origens em práticas de culto e de ritual. Os bens artísticos únicos tinham tido valor sagrado, simbólico e/ou de prestígio. A reprodutibilidade eliminou essa aura. Contudo, a invenção da imprensa trazida pela reprodutibilidade técnica ficou ligada a mudanças profundas na dinâmica da produção e consumo cultural. A reprodução de massa quer dizer mais cópias – quanto mais barata for a cópia maior o lucro possível (confrontar com a tecnologia digital).
4) Transformações - a emergência de uma economia alargada de bens envolve profundas transformações culturais, dadas as mudanças estruturais nos significados pessoais e colectivos. Por exemplo, a invenção da imprensa alterou radicalmente a esfera dos media ou comunicação. A reprodução de livros foi um desafio directo às autoridades (políticas, religiosas). À edição da Bíblia seguiram-se livros de interesse científico e humanístico, embora regulados pelas autoridades políticas e religiosas.
5) Mercado - apesar do controlo de Estado, os media impressos organizaram-se em torno do mercado. Nasceu uma gama de instituições privadas e cívicas – jornais, grupos políticos e religiosos, sociedades científicas e humanísticas, salões, cafés. Aparecia a esfera pública, delineada no estudo de Habermas (1962), formando a base da contestação e da legitimação do poder político e sócio-económico dos últimos 250 anos. A indústria cultural de Adorno não foi primariamente sobre a comodificação da cultura, mas sobre a organização da produção de bens culturais a uma escala industrial de massa. A relação da arte como bem e como forma autónoma desapareceu quando o artista independente deu lugar à fábrica da cultura.
6) Valor sagrado/valor de troca - desde o século XVIII que o principal mediador entre artista e público é o mercado – que vai do local ao nacional, do europeu ao global. Deste ponto de vista, o trabalho da arte torna-se crescentemente um bem que pode gerar riqueza. Isto é, a arte deixa de ter valor intrínseco ou sagrado e passa a ter valor de troca. Por outro lado, porém, o artista passa a depender directamente de um patrão, que lhe dá suporte social e financeiro para desenvolver a sua actividade (confrontar com os criadores de conteúdos no YouTube, MySpace e redes sociais).
7) Mais transformações - no século XIX, à legitimação do Estado Nação e da democracia de massa, surgiram igualmente a promoção do património, arquivos, museus e modelos de ensino e divulgação da música e da literatura. Na passagem para o século XX, aumentaram a educação de massa, tempo de lazer e inovações tecnológicas e comerciais - que levaram a mais produção e consumo cultural. No final da década de 1980, economistas políticos e geógrafos da economia passariam a falar da mudança da produção em massa para a especialização flexível e pós-fordista, fragmentação e volatilidade dos mercados de consumo. Os modelos previsíveis de consumo de massa deram lugar a mercados mais pequenos e de nicho e à proliferação de bens e serviços que levam à construção de novas identidades sociais.
8) Espaço de múltiplas expressões - há a viragem espacial de um espaço de modernidade de uma economia nacional unificada para um espaço de múltiplos níveis, o que reflecte a mobilidade – de capitais, pessoas, conhecimento e objectos. Realça-se a proximidade espacial das redes empresariais, assente em feixes [clusters], produtores de um conjunto de benefícios económicos, tais como centros de conhecimento comum, recursos humanos flexíveis, relações de confiança e um sentido de objectivos comuns. Surgem externalidades associadas a estruturas locais e sociais, instituições e culturas.
9) Desintegração vertical - tal ocorreu principalmente nas grandes companhias, e acelerada nas indústrias culturais. Não foi fácil a sectores como televisão, música, design e filme organizarem-se crescentemente em torno de feixes de pequenas e médias empresas e freelancers, mas as ideias de reflexividade estética e um envolvimento mais intuitivo com as correntes culturais tornou-se parte central da actividade.
10) Criatividade - é um recurso fundamental no desenvolvimento económico contemporâneo e no crescimento pessoal. A criatividade relaciona-se com a inovação e a competitividade económica. Depois, aceita-se o choque do novo, o disruptivo, o contra-intuitivo, o rebelde, o que toma riscos. Estas qualidades afastam-se do tradicional – habilidade, artesanalidade, equilíbrio, meio termo. A criatividade liga-se às mudanças na construção dos valores sociais desde os anos 1960. Assenta também no faça você mesmo, trabalhe de acordo com as suas ideias, o que representa um poderoso sentido de liberdade.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário