quarta-feira, 23 de julho de 2008

MAIS SOBRE INDÚSTRIAS CRIATIVAS


Segundo a peça assinada por Sérgio C. Andrade no Público, foi apresentado hoje o estudo O Desenvolvimento de um Cluster de Indústrias Criativas na Região do Norte, promovido pela Fundação de Serralves, com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), em parceria com a Junta Metropolitana do Porto, a Casa da Música e a Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense.

Do documento electrónico já disponibilizado pela CCDR-N, o estudo parte de três pontos: "Necessidade de encontrar novos sectores de actividade, mais inovadores e com maior capacidade de servir de interface entre o meio académico e científico e o meio empresarial; Existência de uma rede de universidades e estabelecimentos de ensino politécnico que criam uma população com apetência para serem dinamizadores de indústrias da criatividade e que muitas vezes se perdem, por falta de enquadramento estratégico e também pela inexistência de ofertas de espaços de instalação; Existência de um propósito de requalificação, de revitalização e até de regeneração urbana nas cidades da Região Norte, designadamente no Porto".

A proposta reflecte o interesse de "maximizar o potencial criativo da região está estruturada em três eixos estratégicos": capacidade e empreendedorismo criativos, crescimento dos negócios criativos, e atractividade dos lugares criativos.

O texto agora publicitado tem uma primeira parte de definições, como o conceito de indústrias criativas, a partir do inglês Department of Culture, Media and Sports (Creative Industries Taskforce, Department of Culture, Media and Sports, Reino Unido, 1997, e que eu aqui já destaquei algumas vezes), com os seguintes subsectores (imagem retirada do documento, p. 15).


No documento, as indústrias criativas são: 1) baseadas em indivíduos com talento criativo, 2) aliados a gestores de recursos económicos e tecnológicos, 3) gerando produtos vendáveis, 4) cujo valor económico assenta nas suas ropriedades “culturais” ou “intelectuais”. Os autores do documento falam em “indústrias criativas” (ou “indústrias culturais”) (p. 25), sem distinguir as diferenças ou a hierarquia que se pode instaurar entre elas, como o fez John Hartley (2005). Distinguem igualmente cidades criativas, com um subcapítulo específico, turismo cultural (p. 32), pessoas e empreendedorismo criativo (p. 36), clusters criativos (p. 39) e propriedade intelectual (p. 41).

O documento destaca a existência de um estudo (Creative Economy Report 2008, UNCTAD, igualmente já referido aqui no blogue), que indica que, em Portugal, o sector das indústrias criativas contribuiu com 1,4 % do PIB em 2003, correspondendo a € 6.358 milhões, significando o terceiro principal contribuinte para o PIB português, logo a seguir aos produtos alimentares e aos têxteis (1,9% cada) e à frente de importantes sectores como indústria química (0,8%), imobiliário (0,6%) e sistemas de informação (0,5%) (p. 23).

A seccção II, com um capítulo chamado Ecologia e economia criativas na região Norte (a partir da p. 48), desenvolve mais conceitos, como infra-estrutura e programação cultural de prestígio, acesso a financiamento especializado, existência de núcleos especializados de investigação e incubação nas universidades, existência de redes de parcerias (networking) ou existência de espaços de produção e consumo cultural.

Regozijo-me com o facto de haver um projecto para a área norte do país em termos de indústrias criativas. O documento entende que a área norte do país tem recursos, agentes e energia para avançar com propostas significativas, nomeadamente nas cidades e centros históricos de Porto, Braga, Guimarães, Vila Real e Aveiro (aparentemente, a fronteira mais meridional desta região norte é Aveiro. E porque não incluir Coimbra, que não fica a uma distância muito maior do Porto que Vila Real, 121 quilómetros contra 96)? O texto fala igualmente de cidades universitárias como Barcelos ou Vila Nova de Famalicão (ignoro a importância destes locais, mas parece-me que está a ser empolado o conceito de cidade universitária). Igualmente fixo os projectos apresentados como modelo: Design Studio, Incubação Aquário de Som e Imagem, ID+, UP IN-Inovação, UP Media, UPTEC-Parque de Ciência e Tecnologia da UP, Centro de Criação das Artes de Rua de Santa Maria da Feira. Os autores falam também do projecto Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012. Retiro das páginas 69 e 82 um conjunto de outras actividades, mas serão suficientes para se falar de indústrias e cidades criativas? Ou serão ainda um embrião para outras actividades?



No documento hoje apresentado, foram identificadas várias instituições consideradas "relevantes para a implementação de um sistema regional de empreendedorismo criativo": Escola Superior Artística do Porto; ESAD; Faculdade de Belas Artes da UP; Escola das Artes (Universidade Católica); ESMAE; Instituto Multimédia; Instituto Politécnico; Escola Jazz - Jazz ao Norte; Instituto das Artes e da Imagem; Escola Profissional de Artes do Espectáculo; Conservatório de Música do Porto e Instituto Português de Fotografia. Outras foram igualmente apresentadas no projecto.

O ponto 7.2.4.2, sobre a estrutura empresarial, aborda as empresas na óptica das indústrias criativas, no que me parece um dos pontos mais importantes do documento (a partir da p. 94). Retiro somente duas ideias sobre oportunidades quanto ao mercado nacional (leitura SWOT). O primeiro aparece na p. 102: "Em Portugal há um fenómeno de substituição dos sectores tradicionais por novos, cujo impacto é muito significativo na Região Norte. O esforço de penetração dos novos sectores, empresas e produtos, é propício à Publicidade".

O segundo aparece na p. 122: "A atractividade deste subsegmento [edição] para os criativos é média, sendo muito competitiva e difícil de gerir. A ameaça da substituição do suporte papel pode causar a obsolescência deste subsegmento e provocar a migração para outro dos subsegmentos criativos. Noutro sentido, a evolução ocorrerá através da utilização de novos suportes digitais pelas actuais empreses de edição. Contudo, a função do criativo, qualquer que seja a evolução, manter-se-á inalterada". A que se segue: "Assiste-se a uma revolução no mercado da Edição. O retalho sofre, de alguns anos a esta parte, o embate de novas formas de chegar ao cliente (FNAC, Internet, Amazon). Recentemente, com o advento de um processo de concentração de Editoras, aumenta a sua importância e poder negocial face ao criativo, mas também melhora a competitividade do livro gerado em Portugal, uma vez que beneficiará de recursos para uma maior promoção e um mais baixo custo de produção . Destes processos resulta uma maior oferta à disposição do consumidor final, o que aumenta a procura. As tecnologias de apoio à logística de distribuição e à produção de livros, jornais e revistas vêm reforçar a necessidade de grandes tiragens para colher economias de escala".

Porque necessitava de mais tempo para ler e analisar o documento, não faço aqui a apreciação mais profunda. Mas posso concluir, sem me comprometer muito, que se trata de um bom documento a que se segue a hipótese de o executar. Há questões de ordem financeira, empresarial, políticas e culturais que o documento aborda ou necessita de desenvolver. A ideia de uma Agência para o Desenvolvimento Criativo do Norte de Portugal pode ter pernas para andar. Contudo, não podemos negligenciar o facto das indústrias criativas terem medrado na Austrália e no Reino Unido fundamentadas em fortes indústrias culturais, como o cinema, a produção vídeo e os espectáculos ao vivo - ocorrências pouco fortes no norte do país - e em agentes criativos e empresariais fortes.

O consórcio responsável pelo Estudo Macroeconómico para o desenvolvimento de um cluster das Indústrias Criativas na Região do Norte foi constituído pela empresas Tom Fleming Creative Consultancy, Horwath Parsus, Opium, Gestluz Consultores e Comedia.

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