Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
ARMSTRONG E A RÁDIO EM FM
Tenho um grande apreço por Edwin Howard Armstrong (1890-1954), engenheiro eléctrico americano e inventor de três circuitos electrónicos fundamentais para a história da rádio: circuito regenerativo ou de feedback (1912), super-heterodino (1918) e sistema de FM (1933). Poderia mesmo dizer que, sem ele, a rádio não seria o que é hoje.
O conhecimento que tenho (das leituras que fiz) do circuito regenerativo é que este foi um dos pioneiros e mais usados mas ainda tinha uma tecnologia deficiente com muitos ruídos de electricidade estática. Um receptor ao lado de outro induzia ruídos difíceis de reduzir.
Em 1917, Armstrong tornava-se assistente universitário na Universidade de Columbia [fotografia retirada do sítio NNDB]. No ano seguinte, seguia para França, ao serviço das forças armadas americanas. Então com o posto de capitão, ele desenvolve a segunda grande inovação na rádio: o circuito super-heterodino. Visto à distância de décadas, era um circuito muito fácil e lógico, usando três a quatro andares (da detecção e oscilação à amplificação) com válvulas electrónicas. A melhor qualidade sonora e a eliminação de muitos ruídos de feedback tornaram-no um modelo dominante em, talvez, quarenta anos de rádios de AM. Na minha adolescência, entretive-me a construir ou reparar aparelhos com essa tecnologia.
Regressado a Nova Iorque, já com a patente de major, título que usou sempre, apesar de sair do serviço militar após o final da Primeira Guerra Mundial, vendeu as suas patentes à RCA, pois os seus circuitos eram fulcrais para o desenho dos receptores. Em cinco anos, Armstrong tornava-se um homem rico e o maior accionista individual da RCA, então uma das maiores empresas de rádio.
No final da década de 1920, Armstrong andava intrigado com o falhanço das experiências de FM (modulação por frequência). Até aí, os rádios usavam AM (modulação por amplitude). Ele tentou usar mais largura de banda em FM e obteve resultados surpreendentes. Como era accionista da RCA e amigo de Sarnoff, o principal dirigente da RCA (uma ligação mais próxima resultara do casamento de Armstrong com a secretária de Sarnoff), apresentou uma proposta para maior experimentação de receptores FM. Estava-se no final de 1933. Sarnoff deu-lhe espaço no 85º andar do novo Empire State Building [imagem retirada do sítio yonkershistory, mostrando Armstrong e a mulher na lua-de-mel: o presente que ele lhe deu foi o primeiro receptor portátil].
Contudo, como Sarnoff julgou que a FM implicava criar uma novo sistema de rádio, obrigando a eliminar toda a estrutura de AM, além de que a televisão começava a dar os primeiros passos, houve um retrocesso na aceitação da proposta de Armstrong. A amizade entre os dois acabou, com o engenheiro inventor a procurar outros investidores e a chamar a atenção da FCC, o organismo estatal que regulava as telecomunicações e a radiodifusão, e a ordem dos engenheiros americana. A FCC conduziu audições com os principais protagonistas da rádio e produziu documentação que abriu caminho à aceitação da FM como um novo meio.
Em 1935, Armstrong associou-se a Carmine R. “Randy” Runyon, que passaria a transmitir em 110 MHz (megahertz). A qualidade superior da transmissão musical - ou de sons como o cair de um garfo - entusiasmaria muita gente. Mas, surgiu uma espécie de problema do ovo e da galinha: não havia programas em FM para justificar a aquisição de receptores; não havendo receptores não se podiam desenhar programas próprios. No nosso tempo, isso acontece com o DAB.
Em 1938, Armstrong vendia um bloco de acções que tinha na RCA. Com o dinheiro conseguido, implantou uma estação de raiz, com uma torre bem visível e que pudesse emitir sinais a longa distância. Em simultâneo, encomendou 25 aparelhos receptores à General Electrics (por preços que hoje andariam à volta de quatro mil dólares cada um, uma pequena fortuna, dado que eram feitos totalmente à mão). Assim, a GE foi a primeira empresa a construir aparelhos de FM. Armstrong, na sua cruzada, conquistou alguns emissores comerciais, persuadindo-os da melhor qualidade musical. Um deles foi John Shepard III, muito respeitado nomeadamente no estado de Massachusetts. A Westinghouse, um outro operador e fabricante, aderiu igualmente à proposta de Armstrong.
Curiosamente, Armstrong fez uma defesa do uso da FM nas frequências entre 41 e 50 MHz, reagindo à nova alocação de frequências proposta pela FCC para a banda dos 88 a 108 MHz, adoptada mais tarde e ainda hoje em vigor. Tal discussão arrastar-se-ia durante os anos da Segunda Guerra Mundial.
Em meados da década de 1940, a televisão iria disputar a atenção de todos, dos investidores aos consumidores. A FM atrasar-se-ia. Felizmente que a melhor qualidade de som face ao AM, o advento da estereofonia em 1961 e a massificação dos receptores nos automóveis levaram a FM a ultrapassar a AM, com este subordinada à transmissão de informação. As décadas de 1960 a 1980 foram de grande brilho para a FM.
No nosso país, seria apenas na década de 1960 que a FM começou a entrar em casa de todos nós. Primeiro como repetição da programação de AM, depois com programação própria. A FM renovaria, ou revolucionaria mesmo, as concepções estéticas e culturais do país. Infelizmente, ainda não está estudado esse contributo.
[texto construído a partir da leitura do livro de Cristopher H. Sterling e Michael C. Keith (2008) Sounds of change. A history of FM Broadcasting in America. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, capítulos 1 e 2, pp. 13-66]
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