terça-feira, 30 de setembro de 2008

ESCREVERIA ADORNO SOBRE SHARON STONE?

  • Para o consumidor, não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo crítico. Tudo vem da consciência, em Malebranche e Berkeley da consciência de Deus; na arte para as massas, da consciência terrena das equipes de produção. Não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espectáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. Os detalhes tornam-se fungíveis. A breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como good sport que é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do astro; sua rude reserva em face da herdeira mimada são, como todos os detalhes, clichés prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Confirmá-lo, compondo-o, eis aí sua razão de ser. Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado, e, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é perfeitamente capaz, desde os primeiros compassos, de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-se feliz quando ele tem lugar como previsto. O número médio de palavras da short story é algo em que não se pode mexer. Até mesmo as gags, efeitos e piadas são calculados, assim como o quadro em que se inserem. Sua produção é administrada por especialistas, e sua pequena diversidade permite reparti-las facilmente no escritório. A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a performance tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veículo da Ideia e com essa foi liquidada. Emancipando-se, o detalhe tornara-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se como expressão indómita, como veículo do protesto contra a organização. [Max Horkheimer e Theodor Adorno (1985). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, pp. 117-118]
Quando Adorno escreveu, conjuntamente com Horkheimer, o livro Dialética do Esclarecimento estava no exílio, fugido da Alemanha nazi. Em especial o capítulo sobre "A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas" marcou a sua filosofia, ponto de progresso que chegaria até Teoria Estética, texto editado postumamente em 1970. A Dialética é um livro pessimista, aporético.

Sharon Stone, a super-dotada actriz americana muito conhecida por um descruzar de pernas no filme Instinto Fatal (1992, com sequela em 2006), aparece num anúncio da Dior. No sítio da
Sack's, lê-se que "Capture Totale, o primeiro produto anti-idade baseado em uma profunda pesquisa tecnológica e sociológica. Capture Totale oferece resultados anti-idade extraordinários e conta com tecnologias de vanguarda em sua composição. Esta nova geração de cosméticos está aliada a um novíssimo conceito – uma geração de mulheres completamente satisfeitas e confortáveis com sua real idade. Assim como a estrela da campanha de Capture Totale, Sharon Stone, estas mulheres estão em busca da beleza serena e completa".

Certamente, Adorno não hesitaria em escrever sobre a actriz e a publicidade e sobre os "clichés prontos para serem empregados arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema". Já não há exílio ou histeria mas procura da beleza até ao fim da vida.

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