terça-feira, 7 de outubro de 2008

COORDENADAS DO PENSAMENTO DE ADORNO (I)


O pensamento de Adorno é adverso à ideia de sistema fechado, caso da Teoria Estética, que sofre o desmembramento próprio da fragmentação – tem uma construção paratática (a parataxe ou coordenação é uma construção em que os membros se ordenam numa sequência mas não se conjugam como se se tratasse de um sintagma. Na parataxe cada termo vale por si). A forma de apresentação paratática reforça a forma aporética da obra (aporia é a dificuldade ou mesmo ausência de saída, podendo constituir até uma dificuldade lógica insuperável).

O carácter fragmentário da Teoria Estética, editada postumamente em 1970, dedicada a Samuel Beckett, deve entender-se do seguinte modo: 1) constitui-se por textos muito curtos, 2) é um imenso fragmento. Tal carácter possibilita a leitura em múltiplas entradas (Jimenez, 1977: 13).

Segundo Martin Jay (1984: 15-22), o pensamento adorniano tem as seguintes coordenadas: 1) marxismo – o da tradição heterodoxa do pensamento marxista ocidental (escola de Frankfurt, Instituto de Pesquisas Sociais, 1924), 2) modernismo estético – para além de filósofo e sociólogo, Adorno foi músico e compositor, absorvendo a moderna música atonal de Schoenberg, durante a sua estada em Viena, nos anos 20, 3) conservadorismo cultural – apesar das suas inclinações marxistas e modernistas, Adorno conserva uma distanciação profunda para com a cultura de massa e olha com aversão a razão tecnológica, instrumental. Critica o jazz e os blues. Faz parte do designado declínio dos mandarins (senhores feudais) alemães. O seu pensamento é negativo. Para além disso, Adorno mantém uma apreciação de figuras reaccionárias, o que põe em causa o modernismo que defende, 4) influência do pensamento judaico – embora não tão envolvido no judaísmo como Walter Benjamin, há uma certa influência do seu pensamento. Meio judeu por nascimento, embora identificado com o catolicismo da mãe, no exílio Adorno toma conhecimento profundo da sua herança judaica. Costumara citar: “Escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro”. Como Horkheimer, Adorno não falará na alternativa utópica (cara a Marcuse, cuja última obra se debruça sobre estética), pela referência à proibição judaica de pintar Deus ou o paraíso. Articula, desde o holocausto nazi, os pensamentos antisemita e totalitário, 5) desconstrucionismo (movimento que emerge com os pós-estruturalistas, em 1967. Adorno morre em 1969) – há ligações, talvez fortuitas, entre ele e a amizade que une Walter Benjamin ao círculo de proto-descontrucionismo do colégio de sociologia (Georges Bataille, Pierre Klossowski, Roger Caillois). Em Adorno, a sua antecipação do descontrucionismo vem da apreciação de Nietzsche. Divergindo de outros marxistas – como Lukács, que via em Nietzsche um perigoso e irracional precursor do fascismo – Adorno gostava dele pela crítica à cultura e política de massas e a crítica à dialéctica das luzes (Aufklärung), 6) experiência pessoal e política, com a ascensão do nazismo. Nele há influências pessimistas, de Schopenhauer, Nietzshe e Kierkgaard.

Elementos constantes da obra de Adorno são os seguintes: 1) denúncia e recuperação, 2) situação aporética da sociedade (que inclui a arte e a cultura), 3) teoria do mundo administrado, 4) indústria cultural (Kulturindustrie). Lêem-se as obras de Adorno na perspectiva da denúncia (Jimenez, 1977: 31). A produção artística é manipulada, segundo Adorno, que se insurge contra os meios ideológicos que permitem e “justificam” essa manipulação (recuperação). A arte está num impasse - é a situação aporética. Após se libertar das funções cultuais, religiosas e morais, a arte entra nos circuitos económicos. E, para além de entrar nos circuitos das mercadorias (indústria cultural), a arte serve também de veículo ideológico à dominação do mundo administrado, sociedade tecnocrática onde tudo se mede, etiqueta, vende e consome.

[continua]

Sem comentários: