Em mensagem colocada um pouco abaixo desta, com data de ontem, repercuti o trabalho de doutoramento de João Paulo Meneses. Do que li da sua tese, ele mostra muita apreensão relativamente ao meio rádio.
Retiro algumas ideias do seu trabalho: 1) surgimento de uma geração que exige e lidera o consumo activo, 2) concorrência na escuta de música, com a digitalização a permitir serviços alternativos de distribuição de música, seleccionada pelo consumidor e já não dependente de playlists decididas por outros, 3) ouvinte dá lugar ao consumidor. Ele refere ainda ameaças vindas de outros meios, como o telemóvel.
Não posso deixar de especular sobre o que João Paulo Meneses escreveu, no sentido de que argumentos diferentes conduzem a polémicas e produzem conhecimento. Recorro a exemplos da história: 1) ouvintes tornadas consumidoras desde a década de 1930 devido ao patrocínio de fabricantes de detergentes nos programas de maior audiência, as radionovelas, 2) gostos definidos em anteriores gerações, caso da geração FM saída da década de 1960, quando as emissoras começaram a passar música rock e pop, dos Estados Unidos a Portugal, 3) emergência antiga das playlists, que vêm da rádio de onda média e passaram para o FM, 4) uso do gravador de som, que foi, da década de 1960 para a década de 1970, um meio poderoso de alternativa à rádio enfadonha desse período, 5) na segunda metade da década de 1980, as rádios piratas renovaram a paisagem estética e política do meio, 6) o ouvir rádio FM no telemóvel na segunda metade da década de 1990 significou o abandono da actividade unifuncional inicial deste aparelho, caminhando para multiplataforma, sem perda da ideia de rádio, 7) o uso do iPod na presente década implica tempo para registar e renovar os stocks de música, disponibilidade que se reduz quando os jovens entram no mercado de trabalho, como indicam os sucessivos estudos de consumo cultural ao longo dos últimos 30 anos, para não falar nos estudos de Lazarsfeld publicados no final da década de 1940 como fiz alusão em texto escrito anteontem).
O importante aqui é destacar essa melancolia perante a perda de impacto de um meio - a rádio de FM. Porque a rádio de AM (ondas médias) já desapareceu do nosso panorama e não se reflecte porque ela desapareceu (ou perdeu o quase total impacto). Já aqui escrevi sobre isso - e gostaria de voltar, um dia e com mais profundidade. Além disso, e do que li do trabalho de João Paulo Meneses, há o colocar muito peso nas decisões da geração mais nova (a dos 20 anos? a dos 30 anos?), responsabilidade possivelmente excessiva. Se o futuro disser que a geração iPod modelou o mundo, aceitarei o veredicto. Mas se falhar, o que diremos?
Além de tudo, gostaria que a habitual análise do meio chamado rádio fosse feita com um menor peso de determinismo tecnológico. O mesmo se aplica ao estudo da televisão e dos jornais de papel. O brilho dos gadgets inebria-nos. Primeiro foi a rádio, depois a televisão, agora a internet. Deles se falou no começo como se fossem redentores, trouxessem o conhecimento em si e a harmonia social. A compra de um aparelho não explica o impacto social, os consumos, as tendências, o futuro.
No plano de outras tecnologias, a nova tecnologia que foi o cinema ameaçou o teatro - e hoje ainda há muito teatro e públicos que enchem salas. A nova tecnologia que foi a fotografia pareceu ameaçar a pintura, a qual perdeu o lado da representação da realidade que a máquina conseguia melhor e se lançou numa das maiores renascenças da sua existência, com o cubismo, o abstraccionismo, a action painting, a pop art. Nos anos iniciais da rádio, os jornais impuseram a inexistência de noticiários para impedirem a concorrência neste sector. A televisão foi buscar os melhores actores, realizadores e estruturas de programas à rádio, como concursos, novelas, programas musicais. Claro que há movimentos, ascensão e queda dos meios, brilho e opacidade.
A meu ver, falta-nos a visão histórica, o recuo que o passado nos permite para compreender as evoluções. E o estudo sociológico do impacto das mesmas tecnologias.
2 comentários:
boa tarde
Viva Professor,
permita-me deixar algumas notas rápidas sobre este seu texto: é claro que concordo consigo quando diz que nos falta (que me falta, nesta tese) distanciamento histórico. É inevitável, mas entendemos (eu e o meu orientador)que o momento é demasiado importante para (poder)deixar de ser explorado.
Talvez a divergência central resida no facto de o Professor comparar a Internet com a história; ora do meu ponto de vista a Internet não é comparável. Não é apenas um meio (muito mais poderoso do que os anteriores). É um meio e é conteúdo. É um meio que absorve os anteriores; são novos conteúdos, alguns deles a partir dos antigos, noutros casos novos. Diz que a compra de um aparelho não explica o impacto social, os consumos, a tendência, o futuro. A Internet não é um aparelho, mas terá/tem impactos sociais, e mudará consumos, tendências e o futuro. Como a rádio e a televisão, a seu tempo, mudaram? Não. A forma como os governos - a começar pelo português - falam em sociedade de informação, em banda larga, em computadores com acesso á net para cada miudo da escola é incomparável com o passado.
Duas notas finais, mais breves:
- é evidente que esta geração iPod, quando crescer, irá mudar, passando a ser mais «passiva»; mas não perderá todos os hábitos adquiridos através da net. É cedo para o dizer, mas se eles já ensinam os pais a mexer nos computadores...
- quando falo em transformar os actuais ouvintes em consumidores (a propósito da sua analogia com as radionovelas), significa que os ouvintes passarão a ter mais protagonismo do que hoje têm no «produto final»; passarão a ter o poder de influenciar (coisa que hoje não acontece). Já se consegue escolher o momento em que se ouve (arquivos e podcasts), não demorará muito até que possam decidir o que querem ouvir (a partir de um menu na net onde estão «todos» os programas).
Obrigado pela sua atenção.
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