segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

SOBRE A SOCIOLOGIA DO JORNALISMO


Na sociologia do jornalismo, há duas correntes distintas. A primeira, liberal-pluralista, indica que o mercado tem mecanismos de correcção e que as notícias são produzidas livremente, isto é, os jornalistas podem publicar as notícias mais incómodas num ou noutro meio de comunicação. A segunda, radical, diz que as empresas de jornalismo são capitalistas e os jornalistas nunca conseguem escrever livremente, condicionados por recursos financeiros ou por pressões vindas externamente ou da própria direcção do meio. Alguns investigadores, nomeadamente os oriundos do universo anglo-saxónico têm produzido uma terceira corrente, em que celebram as vantagens das duas posições anteriores: nem sempre o mercado resolve as contradições, pois se verifica uma pressão dos poderes (político, económico), mas existem forças de equilíbrio devido à presença de meios de comunicação em concorrência permanente.

José Pacheco Pereira (Público, 6 de Dezembro) tem uma visão que oscila entre a segunda e a terceira posição. No texto em apreço, ele parte de um acontecimento (2º Encontro Nacional dos Centros Novas Oportunidades) para constatar a manipulação noticiosa. No caso, e apesar da não prevista, a intervenção do Primeiro-Ministro foi o centro das notícias televisivas. Embora Pacheco Pereira veja como muito positivo o arranque da iniciativa das Novas Oportunidades, a sua presença nesse acontecimento permitiu-lhe observar como se passa a recolha e produção noticiosa. Após a intervenção do Primeiro-Ministro, os jornalistas foram-se todos embora, o que levou o historiador e articulista do Público a acrescentar à sua comunicação uma referência à politização e governamentalização da iniciativa.

O peso da pressão política sobre os media e sobre os jornalistas é o mote da entrevista de Rosa Pedroso Lima feita a Luís Miguel Viana, director de informação da Agência Lusa (Expresso, 6 de Dezembro). A Lusa tem vários sócios, entre os quais o Estado, com 50% de capital, pelo que é previsível os "telefonemas dos gabinetes" ministeriais. Viana desvaloriza, dizendo que a pressão é igual em outros locais onde trabalhou, como o Público e o Diário Económico: "Não há mudança de padrão naquilo com que ligo agora em relação àquilo com que lidei nos últimos 20 anos". Se a jornalista que entrevista insiste na pressão, o jornalista entrevistado nega. Sobre o tema que tem empolado a discussão em torno da isenção e objectividade da agência - 0,1% do crescimento económico é visto pela agência como crescimento enquanto outras perspectivas apontam para a estagnação - o jornalista acha inatacável a primeira posição.

A entrevista vem, se quisermos, dar razão a Pacheco Pereira, quando este fala em pressão. Mas a pressão é sempre exercida, reafirma Luís Miguel Viana. A conclusão aponta para uma relação entre fontes poderosas e jornalistas como de equilíbrio muito instável e a pender com frequência para o lado das fontes. O exercício do jornalismo livre e independente é uma busca permanente. Isso faz-se com jornalistas conhecedores e fortes, sem o cutelo da precariedade de trabalho que está na base de muitas das contradições apontadas por Pacheco Pereira, apoiados em organizações jornalísticas com uma linha editorial coerente e saúde financeira quer na venda de exemplares ou audiências e na publicidade associada aos seus produtos mediáticos.

Uma das possibilidades de revitalizar a independência é o surgimento de novos meios, nomeadamente na imprensa (apesar dos anos mais recentes terem mostrado uma perda de influência dos media impressos). Uma proposta recente é a revelação do lançamento de um jornal diário em 2009, pertencente ao grupo económico Lena. Martim Avillez Figueiredo (em entrevista a Anabela C. Campos, Expresso, 6 de Dezembro) demarca-se da etiqueta "colado ao PS", o actual partido no poder político, ao defender que o seu projecto é "um jornal preocupado em trazer para as suas páginas e para o online opiniões e escolhas editoriais que ponham as pessoas a pensar". O jornal do grupo Lena procura o público-alvo ocupado pelo Público, classe exigente em investir em informação, mais a sul que a norte.

A entrada desse novo jornal traz uma maior competitividade ao meio da informação. Pegando em conceitos de Pierre Bourdieu, o campo social passa a ter mais agentes sociais que provocam uma adaptação do campo e o estabelecimento de novos equilíbrios. O combate à rotina favorece, ainda que indirectamente, a liberdade e a produção de ângulos diferentes nas notícias. Mas não podemos esquecer factores como a concorrência (que pode desencadear o uso de notícias leves e sensacionalistas para vender), a descapitalização (proveniente da actual crise e que conduz a realinhamentos com o poder de serviço, como indicam as palavras de Eduardo Cintra Torres sobre a SIC no seu último artigo no Público, 5 de Dezembro), a existência de jovens jornalistas (com contratos precários e ainda sem uma forte cultura jornalística) e os baixos níveis de literacia do país, que levam a maioria a consumir produtos mais frágeis de informação (publicações sobre televisão ou futebol) e a mantém alheada do espaço público e político das ideias.

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