Jonathan Meades, no Intelligent Life (The Economist), edição da Primavera de 2009, escreve sobre ícone, que considera uma palavra omnipresente. Cada época usa um léxico próprio com algumas palavras a terem um emprego exagerado (hoje, no começo de uma frase, diz-se o irritante: "é assim"). Isto é, as palavras são sujeitas a modas, a morais, a etiquetas, à política e à música popular. Hoje, uma palavra tem uma vida quase desconhecida, amanhã, pode ser um termo influente. Há palavras pseudo-científicas que vêm dos dirigentes - empowerment, SWOT, driver, implementar. O jornalês pode ser outro tipo de linguagem.
Meades - que na mensagem sigo de muito perto - fala de ícones. O Oxford English Dictionary (OED) descreve icónico como "designando uma pessoa ou coisa vista como representativa de uma cultura ou movimento; importante ou influente num contexto particular (cultural)" [imagem de James Dean no sítio oficial do actor]. O dicionário da Porto Editora indica para icónico o "pintado ao vivo; conforme o modelo; pintado do natural". É evidente que a definição do OED já não é adequada, pois hoje ícone significa: notável, celebrado, promoção com zelo, reverenciado, longamente estabelecido, autêntico, facilmente reconhecível, memorável, importante, estimável, estereotipado, atípico, representativo, não habitual, popular, acessível, inevitável.
Vivemos, continua Meades, num mundo de celebração e moda permanente (hype). Tudo tem classe mundial, qualquer banda rock que sobreviva à depreciação narcótica ou a um empresário menos sério é lendária, os artistas são heróis. Cada cidade ou região tem um edifício de que se vangloria: torre, catedral, arranha-céus, câmara municipal. Para além da representação e do símbolo, estas estruturas têm utilidade: a estação do Oriente (Calatrava), o museu Guggenheim de Bilbau (Gehry), a ópera de Sidney (Jørn Utzon). A estas estruturas juntam-se imagens, esculturas, ícones.
Ícone deriva de uma palavra grega, significando semelhança, retrato ou imagem. Durante séculos associou-se a imagens de Cristo e o seu sofrimento e ressurreição. O ícone foi adoptado pela igreja oriental: imagens pintadas da Virgem a cores douradas e circulares. Na Anatólia, a cidade de Konya chamara-se primitivamente Iconium.
Implícito no uso moderno de icónico é a aspiração deliberada de investir coisas e pessoas com propriedades que se tornam milagrosas e sobre-humanas, mágicas e parecidas a deuses, Futebolistas, estrelas de cinema, celebridades, Jagger parece Pã, o deus dos bosques, dos campos, dos rebanhos e dos pastores da mitologia grega, Robert Plant lembra Dionísio, deus grego do vinho, das festas, do lazer, do prazer [Barack Obama, pelo artista de rua de Los Angeles Shepard Fairey]. A mudança do nome de Farrok Bulsana para Freddie Mercury foi uma antevisão do que aconteceu. A música popular criou estes deuses. Regimes como o Terceiro Reich (Hitler), União Soviética (Estaline) e China (Mao) foram teocracias (tipo de governo com influência religiosa): os ditadores procuraram matar Deus e substitui-lo.
Veja-se Hitler, continua Meades: o bigode, a saudação nazi, a madeixa no cabelo. A suástica é um logo, que não foi roubado deliberadamente à religião indiana do jainismo. Os comícios de Nuremberga eram rituais entre o marcial e o sagrado. Terríficos como uma cerimónia azteca e piegas como uma opereta amadora, esses comícios ficavam na retina de quem assistia a eles. Hojes, tais cenários são visíveis em palcos de estádios que acolhem as bandas de rock.
Os ícones significam quatro condições:
1) afectam-nos quer gostemos ou não. Exemplos: Picasso, Oprah Winfrey, Michael Schumacher,
2) a imagem transcende o seu objecto,
3) o sujeito é legível em termos de escrita visual. Exemplos: a silhueta de Napoleão com a mão dentro do capote; Chaplin com o chapéu, o bigode e a bengala, Jagger com o par de lábios [imagem pertencente ao Victoria and Albert Museum],
4) reconhecimento imediato, o que pede imutabilidade. Exemplos: garrafa de Coca-Cola, torre Eiffel, Big Ben, cabina telefónica e autocarro de dois pisos em Londres, Che Guevara, Marilyn Monroe, James Dean, Barack Obama.
O domínio da televisão durante meio século trouxe o declínio gradual da retórica e da oratória, substituindo-as pelo discurso naturalista em múltiplos media, com uma grande disseminação de imagens.
Sem comentários:
Enviar um comentário