terça-feira, 14 de abril de 2009

A HISTÓRIA DO BRASIL SEGUNDO SÉRGIO BUARQUE DA HOLANDA


A Espanha e Portugal são, como a Rússia e os países balcânicos (e em certo sentido também a Inglaterra), um dos territórios-ponte pelos quais a Europa se comunica com os outros mundos (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, p. 31).

Mais à frente, Sérgio Buarque de Holanda afirma a longa e profunda associação à Península Ibérica, em especial a Portugal, uma das principais razões da escrita deste tão importante livro datado de 1936 e revisto em profundidade em 1947.

Antes da redacção do livro, o escritor e professor universitário estivera em Berlim, onde tomou contacto com a sociologia alemã e a epistemologia histórica, com Dilthey e Rickert nomeadamente, onde forjou as raízes de um pensamento moderno, equiparado a outros autores da geração de 30, como Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior. Dez anos após Raízes do Brasil, o autor editava Monções, e, no intervalo temporal entre essas obras, exerceu uma enorme actividade de crítico literário e crítico das ideias no Rio de Janeiro e em São Paulo. O interesse do sociólogo transmutava-se em trabalho de historiador.

Obra pequena, de 160 páginas, Raízes do Brasil compõe-se de sete capítulos. Para além do primeiro (Fronteiras da Europa), destaco os capítulos 2 (Trabalho & Aventura) e 4 (O Semeador e o Ladrilhador). O autor divide os povos e os indivíduos em dois tipos, trabalhador e aventureiro, o primeiro aparentado ao holandês e o segundo ao português. Este foi ao Brasil buscar riqueza mas sem muito trabalho, fazendo uma agricultura de pouca profundidade (sem aplicação do arado) (p. 49). O açúcar era um tipo de agricultura adaptado a esse esforço do português. Outra característica do português salientada por Sérgio Buarque de Holanda é a do pouco orgulho em termos de raça, o que significa grande plasticidade social face ao outro (p. 53) - a adaptação ou o desenrascanço, acrescento eu. O autor fala em "suavidade dengosa e açucarada", referindo-se à cultura que deixamos no Brasil, visível na arte e na literatura, em Setecentos e no rococó (p. 61). O grande latifúndio era o centro do poder, face às pouco desenvolvidas cidades (com excepção do Recife, cidade muito colonizada no tempo da ocupação dos holandeses, durante o período filipino).

Mais à frente, Sérgio Buarque de Holanda distingue os portugueses dos espanhóis, exactamente pelo modo como estes últimos constroem as cidades, centralizadas ou centralizadoras, codificadas, uniformizadas, simétricas, com a plaza mayor como espaço de onde emana toda a relação de ordem e força. O autor compara a história estável de Portugal com o país vizinho, ameaçado pela contínua luta de erosão, com catalães, bascos e aragoneses a procurarem sacudir a influência do centro político (p. 116). O português é mais "desleixado", deixa-se ficar no litoral, não penetra no interior. Olhando para a geografia actual, digo eu, os dois países continuam bem distintos: Lisboa fica no litoral, Madrid no centro do país. Mas o semeador vai perder o lugar para o ladrilhador, o latifundiário cede poder ao urbano, mas sem deixar representação política. A sociedade agrária dissolvia-se lentamente no terceiro quartel do século XIX.

As novelas de índole histórica repetem à saciedade o peso do terratenente face ao político da cidade, enovelado em favores e cumplicidades. A história do Brasil repete a de Portugal, mas a posse da terra é distinta. A nossa aldeia não tem equivalente ali, a cultura intensiva e com recurso a mão de obra escrava marcou a história do país do outro lado do Atlântico.

Mensagem dedicada a Fernando O. Paulino, de Brasília, que conhece muito bem a história de Portugal - e me quer "obrigar" a saber igual quantidade sobre o seu país.

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