- Na opinião da investigadora, os jornalistas foram usados, por uma máquina bem montada de relações públicas, para manter o assunto no topo da actualidade. "Não tenho dúvidas de que os media foram estrategicamente utilizados para não deixar morrer a história", disse a investigadora, numa entrevista por escrito à agência Lusa (Público de hoje, página 10, a partir de entrevista de Madalena Oliveira, da Universidade do Minho, à Lusa, a propósito das notícias sobre o desaparecimento de Madeleine McCann, ocorrida há dois anos).
"Repito o que já uma vez disse: se as pessoas soubessem como são feitas as «notícias» em Portugal, deixavam de ler os jornais a não ser como pura ficção" (frase final do texto de José Pacheco Pereira, editado hoje no Público, página 35).
O primeiro texto, ou melhor uma legenda a uma fotografia do casal McCann, foi escrito num tom a meu ver com algum cinismo ou, no mínimo, com ironia. É que uma investigadora universitária entende que o trabalho dos jornalistas não foi bem feito durante os primeiros tempos do desaparecimento da criança inglesa. O segundo, que espero não deturpar por descontextualizar, critica o modo como o jornalismo é feito. E infere a intriga produzida pelos jornalistas, que distorcem a realidade dos factos.
Embora sem ligação dos dois textos, há um elemento comum: o trabalho jornalístico. Claro que ele é imperfeito: fontes interessadas, falta de tempo para investigar e escrever, pressão das empresas para os jornalistas escreverem com rentabilidade devido à concorrência (o directo, a agenda), subjectividade (e jogos de poder entre jornalistas e fontes). Acrescento outra ideia: os jornalistas mais velhos estão a ser substituídos por mais novos, com condições mais precárias de trabalho, mais dependentes das fontes oficiais porque ainda não tiveram tempo de estabelecer redes sólidas de contactos e com menor capacidade de se defenderem de pressões externas e internas (e sem terem plena consciência disso). Mas os dois artigos (ou a reflexão que trazem) traduzem uma perspectiva distinta: Madalena Oliveira criticou a televisão, o soundbite e a imagem de espectacularidade deste meio; Pacheco Pereira tem por alvo principal os jornais.
Um outro elemento a acrescentar: a mudança rápida de situações e perspectivas levam os jornalistas a terem de fazer actualizações permanentes. O exemplo do presente surto gripal levanta-me muitas dúvidas sobre o modo de actuação dos jornalistas. Da semana passada para esta, a gripe mudou de nome, começando por ser gripe suína, passando a gripe mexicana (o surto teve origem no México) e a gripe A. Como a gripe dá boas imagens (a máscara azul), jornais e televisões mostram e passam de modo insaciável as pessoas usando essa protecção. Os jornalistas não explicam bem tal tipo de alterações e ficam condicionados pela imagem e pelos números de casos em todo o mundo, como se fossem meros contabilistas em actividade de alarme.
A hipótese de pandemia deve ser levada a sério, excepto na forma como se usa a informação em termos de "pânico moral" (mortal, neste caso). Lembro a gripe das aves, que nunca chegou a ser pandemia na Europa e mundo ocidental, apesar de constituir notícia sazonal todos os anos. Ou o impacto da doença das vacas loucas, que levou a uma dieta alimentar nova durante meses. Isto é, periodicamente, os media amplificam até à exaustão esse pânico, deixando todos os cidadãos ou consumidores histéricos e cheios de medo.
Sobre o jornalismo, ciência e epidemias escrevi na minha tese de doutoramento. Um capítulo específico sobre o conhecimento científico e o aparecimento de epidemias, e que não publiquei, pode ser lido no seguinte ficheiro:
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