segunda-feira, 4 de maio de 2009

SOBRE O NOVO JORNAL i

Hoje, a meio da tarde, o Rádio Clube promoveu um debate sobre o novo jornal i, a ser lançado no próximo dia 7. Como a minha participação ficou condicionada pelo escasso tempo da emissão, sem poder consolidar o meu pensamento, deixo aqui algumas notas para reflexão:

Encontro várias questões para explicar a actual discussão sobre jornalismo impresso e jornalismo online: tecnológica, cultural, geracional. A razão tecnológica é admissível – como a música em que o modelo de negócio do disco foi abalado nas suas estruturas, havendo o ficheiro que se vende (ou pirateia) e o concerto como actividades centrais, o impresso (jornal e livro) pode seguir a mesma via, deixando a materialidade (o papel) para o ficheiro visível num ecrã. Isto poderia ser utópico anos atrás mas a internet, o telemóvel e aparatos como o Kindle (Amazon) fazem pensar que haverá mudança de suporte.

A questão de mudança de suporte é afectiva e cultural. Ainda não existe qualquer aparelho tão portátil como o livro. Impresso em papel desde o século XV, o livro de bolso encadernado nasce no século XVIII. O telemóvel e o computador portátil de dimensões reduzidas aproximam-se desse modelo ideal mas ainda não dão para escrever ou anotar.

Em terceiro lugar, a geração multimedia está a chegar ao poder (empresas, universidade, política). Ela foi criada na companhia de ecrãs múltiplos (televisão, computador, telemóvel, videojogos) e com ferramentas informáticas e meios de transmissão e armazenamento de informação (internet). Os hábitos de leitura mudaram-se. Contudo, o uso do papel não se desvaneceu. O mito da substituição do papel pelos formatos electrónicos aquando da massificação do computador serve para não acreditarmos na substituição total do papel. Muitas empresas, impondo a ideia de poupança verde, transferiram para os seus clientes o custo do papel, da impressão e envio por correio, obrigando estes a imprimir facturas na sua impressora pessoal. A passagem da fotografia analógica para digital eliminou o uso do papel porque as imagens ficam em suporte digital mas há um movimento nostálgico de alguma expressão que reutiliza o papel para impressão das imagens. Melhor dizendo, o uso do papel já não é sinal de distinção mas de matéria ou suporte de peso próximo ao de outros suportes (massificação e coexistência de suportes).

Há uma questão suplementar: podemos estar a chegar a um momento em que não será necessário distinguir jornalismo impresso e online. Dou exemplos tecnológicos: o telefone fixo e o telemóvel, que há dez anos constituiam divisões diferentes nas empresas de telecomunicações, estão na mesma direcção; a actual oposição é entre serviços de voz e serviços de internet. Uma nova estação de rádio tem emissão em feixe hertziano e online, o mesmo acontecendo à televisão. A pintura a óleo coexiste com a fotografia, a instalação (arte efémera) e o vídeo. O papel é, ainda, o conteúdo e o meio, ao passo que o online é o meio mas não o conteúdo. Estas contradições podem ajudar a perceber a provável perda de valor quanto a dicotomia papel/online. O fundamental é haver mercado, do mesmo modo que o vinil voltou a ocupar um espaço face aos suportes digitais.

Isso estende-se à crítica frequente da falta de espaço do jornal em papel. Este tem 32 ou 48 páginas, ao passo que a internet aceita conteúdo de muito grande dimensão. Mas a atenção e o tempo de leitura continuam a ser bens escassos. E o actual sucesso do Twitter (140 caracteres) ilustra a necessidade de mensagens curtas na comunicação habitual.

Já quanto a receios sobre insucesso do novo jornal, anoto os seguintes elementos:

1) Os exemplos recentes não favorecem o aparecimento de jornais em papel. Em Portugal, o Sol, que queria ultrapassar o Expresso e não tinha produtos gratuitos ou a baixo preço (CD, DVD), fracassou esse objectivo e tem havido mudanças no capital accionista da empresa,

2) Os jornais a nível mundial registam perdas (excepto China e Índia, por razões endógenas). O Público, nas últimas semanas, encetou negociações para cessação de colaboração de colunistas (ou redução de remuneração). Poucos meses atrás, as redacções do Diário de Notícias e Jornal de Notícias viram-se reduzidas em cerca de menos 100 jornalistas. Lá fora, o New York Times vai subir o preço da edição diária como compensação para as perdas,

3) O i não vai publicar, ao que me disseram, no seu online as breaking news (acontecimentos imprevistos), que suportam o sucesso de jornais online como Público, Expresso e Sol. Isso poderá inviabilizar a relação online/papel,

4) O i apresenta-se como jornal de referência. Logo, os seus leitores lêem diariamente o Público (mais do que o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias), o que poderá significar uma transferência de leitores. O Público não tem conseguido estancar perdas de leitores (nomeadamente na faixa etária 14-25, mas que pode também ser 18-35), situando-se nos 40 mil exemplares diários, com picos de venda à sexta, sábado e domingo. Conquistar novos públicos parece-me o mais extraordinário, porque muito difícil,

5) O i não vai ser publicado ao domingo, dia de maiores tiragens nos jornais diários, por causa de suplementos e porque há mais tempo para ler.

Dados sobre o novo jornal (que retirei de notícia do Expresso do último sábado) - 1 euro de preço (1,4 euros à sexta e sábado), 48 a 56 páginas, redacção integrada (papel e online) de 74 jornalistas, 70 entradas (notícias) por dia (Diário de Notícias tem 195, Público tem 130), 80 mil exemplares diários, lema E num instante tudo muda, orientado para um público culto, urbano e de classe alta.

1 comentário:

Anónimo disse...

deixe-me so dizer-lhe, Caro Rogério, que a sua análise passa ao lado em muitas coisas. Tiros na água... Haverá assim tanta vontade de dizer mal do projecto? Olhe para ele com calma e sem preconceitos. Sim, porque os preconceitos estragam tudo....
Cumprimentos!