Desde o começo do século XX que a mediatização das estrelas (teatro, cinema, rádio, música) se tornou evidente, logo alargado para as do desporto e da televisão. As publicações regulares, como revistas, passaram a trazer muitas informações sobre acontecimentos (espectáculos, encontros, sinopses de peças e filmes), a par da crescente publicitação da vida privada das estrelas, como amores, casas, viagens, projectos, sonhos.
O fenómeno das estrelas tem a contrapartida do surgimento de fãs, indivíduos que procuram saber tudo sobre as suas estrelas: gostos, hábitos, projectos. O fã - cuja origem vem de fanático, ser irracional que se deixa prender pelo objecto de paixão - é uma realidade do tempo dos media, de meios que intermedeiam a relação entre os conhecidos e os anónimos. Os media (cinema, rádio, televisão e internet) ampliam essa procura do conhecimento das estrelas por parte dos fãs, com estes a coleccionarem objectos produzidos por aqueles. Estrelas e fãs fazem parte do mercado e da troca, da economia capitalista na sua essência, onde uns vendem e outros compram.
Ao mesmo tempo que se desenvolve o culto pelas estrelas, cuja fama é cada vez mais alta mas de duração mais pequena, surgem variações como as vedetas e as celebridades. As vedetas ambicionam ter um estatuto de estrela, considerado o topo, aquele que produz mais reconhecimento pelo papel na área de actividade em que se tornou conhecido. Já a celebridade é a personagem (não personalidade) que é conhecida não por um feito qualquer mas porque participa em acções (uma festa por exemplo) e se notabilizou pelo vestuário ou penteado, por ter aparecido junto de estrelas, por surgir nas revistas. Por vezes, o aparecimento nestas revistas é pago pelo próprio, num esforço de auto-comprazimento.
As revistas ou programas de televisão especializam-se em reportagens e artigos sobre estrelas, vedetas e celebridades. A escrita dessas peças noticiosas tem um enquadramento leve e sensacionalista, pois não mostra o que cada estrela contribui para o conhecimento comum mas promove apenas os desejos individuais e egoístas das personagens que retratam.
As estrelas e as vedetas e as celebridades têm cada vez mais seguidores, os fãs. Em caso de morte ou encerramento (de uma série de televisão), os fãs organizam-se em espectáculos (com espectacularidade de imagens e de propostas visuais e sonoras) e demonstrações de fé e de dor. Parece uma nova forma de culto religioso, sem o estabelecimento de crenças fortes e duradouras mas apenas a expressão de sentimentos ligeiros (como as notícias que dão conta desses acontecimentos).
O culto a Michael Jackson entrou neste estádio.
[fronstipício da página inicial do Público na internet, hoje de manhã]
3 comentários:
Caro Professor,
Gosto sempre de ver o tema das celebridades aqui no Indústrias Culturais, que acompanho sempre.
No entanto, não concordo com a sua distinção entre estrelas e celebridades. O Michael Jackson não é apenas uma estrela da música, mas é uma celebridade musical, o que engloba tanto o seu génio artístico e os seus feitos musicais, como as histórias em torno da sua identidade, da sua família, das suas mudanças do corpo, etc. Esta segunda faceta não é um acrescento nem é separável da narrativa da sua carreira, na medida em que o consagra como o artista camaleão acima de todos, envolve questões de raça, de corpo, etc.
Isso não impede, claro, que os fãs escolham centrar-se nas questões artísticas renunciando precisamente à sua exposição sensacionalista. No entanto, a sua narrativa envolve as duas dimensões de forma imbricada.
Por isso, não concordo que a celebridade seja aquela personagem que não é conhecida por mais do que por aparecer em festas. O conceito é mais amplo e diz respeito a essa dinâmica entre o público e o privado nas figuras com exposição pública. As celebridades consideradas "vazias" por terem poucos feitos públicos são excepção. A Paris Hilton não é muito diferente das realezas europeias, têm um prestígio herdado pelo poder económico ou político que os torna mediáticos (por oposição a um prestígio adquirido por via da demonstração de feitos extraordinários). E as celebridades mais passageiras, a que alguns chamam "celetoids", exploram precisamente o efémero através de uma exposição saturada durante um curto espaço de tempo, mas partem de algum "gancho" de actuação pública ou profissional.
Daí que o Michael Jackson, para voltar ao início, tenha esta dimensão (em profundidade e em extensão, global) entre os fãs, porque teve uma carreira tão longa, com tantas dimensões da sua narrativa, que as pessoas se ligaram a um ou mais pontos da sua figura.
Ana Jorge
Obrigado pelo comentário tão assertivo.
:))
Não me interprete mal, é entusiasmo pelo tema. Até breve!
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