- Na sequência da última crónica do provedor, instalou-se no Público um clima de nervosismo. Na segunda-feira, o director, José Manuel Fernandes (J.M.F.), acusou o provedor de mentiroso e disse-lhe que não voltaria a responder a qualquer outra questão sua. No mesmo dia, J.M.F. admoestou por escrito o jornalista Tolentino da Nóbrega (T.N.), correspondente do Público no Funchal, pela resposta escrita dada ao provedor sobre a matéria da crónica e considerou uma «anormalidade» ter falado com ele ao telefone. Na sexta-feira, o provedor tomou conhecimento de que a sua correspondência electrónica, assim como a de jornalistas deste diário, fora vasculhada sem aviso prévio pelos responsáveis do Público (certamente com a ajuda de técnicos informáticos), tendo estes procedido à detecção de envios e reenvios de emails entre membros da equipa do jornal (e presume-se que também de e para o exterior). Num momento em que tanto se fala, justa ou injustamente, de asfixia democrática no país, conviria que essa asfixia não se traduzisse numa caça às bruxas no Público, que sempre foi conhecido como um espaço de liberdade” (Joaquim Vieira, começo da sua coluna de provedor de leitor do Público, no jornal de hoje).
A questão das escutas surge dentro da campanha eleitoral. Já no começo de Agosto, o director-geral da TVI José Eduardo Moniz saira do canal e, no começo do presente mês, com igual ou maior estrondo, a mulher deste, Manuela Moura Guedes, vira cancelado o seu noticiário de sexta-feira, acusado de criticar o partido do governo, o PS. A oposição implicaria este partido de ser responsável pela saída de ambos e por, igualmente, criticar o director do Público. Não vou enunciar os pormenores pois eles são conhecidos por todos, mas procurar perceber outros contornos, o movimento de outros agentes.
As saídas do homem forte da TVI e da sua mulher (esta somente do programa) foram-no num momento errado, pois despertaram suspeitas de “asfixia democrática”, designação agora em voga, como se estivéssemos em regime de suspensão da opinião pública como no tempo de António Salazar. As saídas provocaram uma reacção no canal televisivo concorrente, a SIC, com as acções a valorizarem na bolsa. O programa diário do Gato Fedorento, com audiências à volta de dois milhões de espectadores, trouxe alegrias suplementares a um canal que estava em terceiro lugar, atrás mesmo do canal público. A simples recuperação financeira da SIC contra-indica a ideia de "asfixia". Os media, numa sociedade democrática, funcionam como pesos e contra-pesos; se a informação não sai num sítio, ela aparece noutro meio de comunicação. E criticar o governo (seja de direita ou de esquerda) é uma actividade que os media portugueses exercem visível e salutarmente há três décadas e meia, com mais ou menos rigor.
A situação interna na TVI parece caótica desde há muito tempo, pois os órgãos internos dos jornalistas não têm funcionado, como o sindicato dos Jornalistas referiu recentemente. O responsável principal do canal impunha uma ordem nas notícias não compaginável com a liberdade democrática, provocando fricções internas ou um desleixo face à objectividade noticiosa. A acusação de pressões por parte do proprietário do canal, o grupo espanhol Prisa, tem um forte peso na opinião pública, embora a economia do país vizinho esteja presente em muitos sectores, desde a gasolina a supermercados e marcas de vestuário, para referir três áreas de actividades.
A polémica entre Público e Diário de Notícias, para além do seu enfoque principal na política e na campanha eleitoral, não nos faz esquecer a luta entre os dois jornais pela venda de exemplares, numa época em que os jornais de papel estão em perda contínua de leitores. Ambos os jornais fizeram recentemente despedimentos por força do menor volume de vendas e menos publicidade, desviada para a televisão e para a internet. Sexta-feira deve ter sido um dia de vendas suplementares do Diário de Notícias – ou pelo menos foi um jornal muito citado nesse dia. Se o patrão do Diário de Notícias não se manifestou, o do Público disse estimar a liberdade do jornal, esperando ao mesmo tempo que venda mais exemplares. Mas não o ouvi aquando dos recentes despedimentos e da necessidade de baixar investimentos no jornal (os despedimentos devem ter reduzido as despesas em 700 mil euros, a par de um previsível corte de cinco milhões de euros no orçamento do jornal). Mas fica com aparentes razões para demitir o director do jornal, quando desde há meses se fala na saída deste para depois das eleições do próximo domingo.
Apesar do interesse público, a manchete do Diário de Notícias e a reprodução de email privado de um jornal concorrente são eticamente reprováveis. Escreveu o seu director: "Obtivemos essa informação da boca de uma «fonte» digna de todo o crédito, que defenderemos de forma profissional e séria. Cada um se preocupará com as suas «fontes» e será responsável pela protecção que lhes assegurar". Na teoria, a ideia é correcta; no caso em concreto, é um erro e um pesadelo para a democracia. O modo como o jornal apresentou o caso torna um terreno pantanoso e de suspeita permanente a relação entre cidadãos e destes com os jornalistas.
Falta conhecer o que pensa o provedor do leitor do Diário de Notícias, embora ele tivesse manifestado preocupações em intervenção televisiva. Contudo a sua coluna mais recente é omissa quanto ao caso, embora escreva: "É sabido que a linguagem jornalística deve obedecer a critérios de rigor e precisão que estão explicitados nos manuais que regem o exercício da profissão, em particular no Estatuto do Jornalista e no respectivo Código Deontológico".
A coluna do provedor do leitor do Público de hoje dá conta do mal estar que existe nos media. Ele pergunta mesmo se o jornal não terá uma agenda política oculta.
Para mim, e já o explicitei aqui uma vez, mais valia os jornais dizerem que, na campanha eleitoral, tendem para um ou outro partido. Seria mais simples o Público defender o bloco de direita PSD e CDS-PP e o Diário de Notícias o partido de esquerda PS. Toda a gente perceberia, pois a objectividade é um território difícil e os jornalistas têm simpatias. Se se sabe que os jornais desportivos são alinhados - a Bola com o Benfica, o Record com o Sporting e o Jogo com o Porto - porque escondem os jornais de qualidade essa simpatia? Ou a política é uma coisa somente séria e o futebol é uma coisa apenas de paixões? Pensam os jornais (de papel, na televisão) que iludem os leitores e espectadores? Vamos lá, acertem os vossos pensamentos e digam-nos.
1 comentário:
Seria bem mais fácil - e útil - para o leitor, que esse fossem assumidas claramente as cor que se veste (como fazem os desportivos).
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