domingo, 15 de novembro de 2009

MONTEMOR-O-NOVO - MARCAS DA HISTÓRIA E DA VIDA

O moderno fado de Duarte e a música e estilo sofisticados de Margarida Guerreiro não surpreenderam os espectadores do Cine-Teatro Curvo Semedo, em Montemor-o-Novo, a maioria com idade já avançada. O segundo é oriundo de Évora, a menos de 30 quilómetros dali, a cantora é filha da terra, agora a viver profissionalmente na Itália. O cosmopolitismo dos artistas parece contrastar com o tempo de vida dos habitantes - o espectáculo começou com mais de meia hora de atraso sem qualquer protesto. As pessoas aproveitavam para conversar: sobre os maridos, as namoradas dos filhos, a última festa em que estiveram, a conversa de ontem à janela. E mudavam de sítio, pois se tinham sentado no lugar errado.


Talvez o futebol em que a selecção nacional participava fosse a razão ou justificação para o atraso. Os rapazes bebiam mini-cervejas e comiam bifanas no café Almansor, exultando com o único golo da partida, às vezes saindo para fumar; as raparigas preferem o Alkimia, onde bebiam café ou chá, mas saindo igualmente para fumar. Eles falavam alto e com basófia; elas baixo, talvez a traçarem as qualidades do pretendente a namorado. Mas todos e todas exercitavam os dedos das mãos em sucessivas e imparáveis mensagens de telemóvel. O Alkimia é também ponto de encontro de senhoras de idade e reformadas, que tomam o pequeno almoço e convivem juntas desde o meio da manhã, possivelmente a discutirem as aulas da Universidade Sénior, que este ano lectivo conta com mais de 50 inscritos em História Local, Cidadania, Francês e outras disciplinas, com um custo anual à volta de 60 euros.

Não sei a taxa de desemprego de Montemor-o-Novo, com quase onze mil habitantes na cidade e dezoito mil no concelho, como me disseram. A câmara emprega toda a gente que pode empregar na cidade, ouvi num comentário crítico. O barbeiro de 85 anos falou-me de como permanecia ali no seu estabelecimento há 58 anos. Os estrangeiros conseguem emprego, aceitando as ofertas que os locais podem desprezar, disse-me uma brasileira; consigo, há um compatriota seu e uma uruguaia. No apoio agrícola de um monte, um casal de moldavos, já com dois filhos pequenos, aproveitara um dos dias de descanso para ver o espectáculo do Cine-Teatro Curvo Semedo. Sem falar de chineses, com as suas lojas tradicionais (uma delas bem grande), que já vendem pais natais a treparem à chaminé e flores em plástico típicas deste período do ano no seu país natal.


Na sexta à noite, o magusto ao ar livre fora animado com a banda CO2, com letras pimba, mas que a assistência sabia de cor e dançava animadamente. No sábado, com o lançamento da revista Memória Alentejana no Auditório Almeida Faria, em que se falaria também da agricultura, da importância do montado e do sobreiro (por Alexandre Pirata) e da pintura de Manuel Casa Branca, e o espectáculo no Cine-Teatro Curvo Semedo, dei-me conta da actividade cultural e recreativa da cidade, enquanto ouvia estar a decorrer um torneio de damas numa outra associação. Cem associações activas no concelho, disseram-me igualmente. O Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo tem dinamizado o convento de S. Domingos (Museu de Arqueologia), com biblioteca e espólio de arte sacra ricos e uma boa recuperação do edifício. Com apoio da câmara municipal, o Centro Interpretativo do Castelo representa uma interessante transformação da função da igreja de S. Tiago (não me foi permitido fotografar), mesmo ao lado do Espaço do Tempo, no convento da Saudação, onde está Rui Horta e o seu grupo de dança contemporânea. Montemor-o-Novo parece uma cidade em construção - melhor, em recuperação do seu património.


Na livraria Fonte das Letras, ouvia-se música barroca; no Centro Interpretativo, a guia baixou o som musical durante a nossa visita a fim de nos deixar compreender melhor a recuperação da pintura e do sítio. Conjugando a tradição (a barbearia, o mercado público) com a inovação (igreja de S. Tiago), dentro de escala social aceitável, uma cidade pequena como Montemor-o-Novo torna-se um agradável local de residência permanente ou temporária, ajudada por uma paisagem exterior agradável, que elimina a esquizofrenia dos sítios pequenos e do seu oposto, os espaços residenciais saturados. A dúvida que não se elimina é: que empregos, que negócios rentáveis? Pode viver-se de turismo e da cultura? As indústrias culturais - ou criativas - são suficientes ou fortemente complementares de actividades primárias (agricultura) e secundárias (indústrias)?


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