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Em Global culture industry (2007), Scott Lash e Celia Lury recordam os 60 anos da primeira edição da Dialéctica do Iluminismo de Max Horkheimer e Theodor Adorno. A dialéctica clássica da teoria crítica nasceu do estudo do ancien regime: feudalismo, absolutismo, relações sociais colectivas, sociedade com servos adstritos à gleba (solo), e peso elevado da monarquia absoluta, aristocracia e Igreja. Após essa idade vieram as Luzes, o Iluminismo, com as ideias de mercado, liberdade de expressão, cidadania burguesa, emergência do povo, autonomia, emancipação, contrato social e direitos naturais.
Mas o Iluminismo continha uma lógica contraditória, segundo Horkheimer e Adorno, que falam da nova escuridão do mito – a qualidade torna-se em quantidade, o poder em dominação. O saber, ou conhecimento, liga-se ao poder. A emancipação da natureza interna transformou-se no poder institucional sobre a natureza interna como a clínica, a prisão, a escola e a fábrica.
Uma esfera principal da dialéctica do Iluminismo foi aquilo a que Horkheimer e Adorno chamaram indústria cultural. O que era uma esfera relativamente autónoma ficou dentro do princípio industrial. O que quer dizer que a cultura, outrora um espaço de liberdade, resultou no princípio da racionalidade instrumental, nas mãos de Hollywood e da emergente concentração de capital monopolista na edição, registo e publicidade. A cultura, antes uma fonte de edificação, ficou uma máquina de controlo, cujo principal interesse é o lucro financeiro dos oligopólios corporativos.
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Os autores apresentam sete conjuntos de mudanças, nem sempre muito entendíveis para o leitor: 1) da identidade à mudança [em Horkheimer e Adorno, o produto cultural é uma questão de cultura, tem um efeito na família, no lar. Na indústria cultural global, produção e consumo são processos de construção da diferença. Na indústria cultural, a produção toma o lugar na produção de identidade fordista e trabalho intensivo; na indústria cultural global, assenta na produção do design intensivo da diferença], 2) do bem (commodity) à marca [o bem é um produto (commodity) caracterizado pelo seu valor de troca, expresso em dinheiro. O bem é produzido; a marca é fonte de produção. O bem não tem relações, a marca estabelece relações. O bem não tem memória, uma marca é (tem) memória], 3) das representações às coisas [para Horkheimer e Adorno, apesar da “industrialização”, a cultura era ainda superestrutura. Agora, os bens tornam-se informacionais, o trabalho é mais afectivo, a propriedade torna-se intelectual, a economia transforma-se em cultural. Os media viram coisas. A imagem é coisificada, fica matéria-imagem. Na indústria cultural de Horkheimer e Adorno, a mediação era feita através da representação, na indústria cultural global, há uma mediação das coisas, uma coisificação dos media quando os filmes se tornam jogos de computador. Os objectos dos media no quotidiano rivalizam com os objectos manufacturados], 4) do simbólico ao real [a indústria cultural de Horkheimer e Adorno trabalhava o simbólico, a luz do Iluminismo, o prazer do texto, e a representação. A indústria global traz a cultura ao real (através do virtual). Relaciona-se com o brutal (ver Matrix, como os autores estudaram) e o desperdício. Opera com a simulação, com a hiperrealidade], 5) as coisas tornam-se vivas: o bio-poder [a indústria cultural de Horkheimer e Adorno trabalhava na lógica do bem; a indústria global lida com singularidades (Appadurai)], 6) da externalidade à intensidade [a propriedade intelectual é a sua expressão legal e de regulação. O ambiente dos media, ou mediascape, é uma floresta de intensidades extensivas. Horkheimer e Adorno falavam da intensidade de uma paisagem (landscape), a indústria cultural global tem a intensidade de uma mediascape, é uma scape de fluxos (Appadurai)], 7) o nascimento do virtual [a experiência da marca é um sentimento, não uma percepção concreta. As marcas podem ser virtuais, actualizadas, num dado número de produtos. Para o semiólogo Peirce, a marca pode ser um ícone. Peirce via a significação através de três modos: símbolo, índice, ícone].
Leitura: Scott Lash e Celia Lury (2007). Global culture industry. Cambridge e Malden, MA: Polity Press, pp. 1-13
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