domingo, 29 de novembro de 2009

Rádio, programas infantis e propaganda


Em edição de autor, Valeriano Machado publicou em 1940 o texto Lições do avôzinho, conversas que ele transmitiu em duas emissoras de Lisboa, a Rádio Hertz e a Rádio Graça. Eram histórias destinadas ao público infantil, num tipo de programas então muito populares. O autor, ao contar episódios da vida do país ao longo dos séculos, juntava esclarecimentos sobre algumas palavras mais complexas, numa perspectiva pedagógica segundo a cultura da época. Considerando-se historiador, as suas conversas com a neta adquiriam um carácter intimista, doce até, onde o emprego de diminutivos ilustra carinho.

Fiquemo-nos no começo da primeira lição, para se compreender o enquadramento cultural e social dos programas. Apesar de nada se adiantar nesse começo em termos de conhecimento cultural e histórico, é muita a informação sobre a etiqueta e a relação entre duas gerações diferentes:

"- Sua benção, avôzinho!...
"- Deus te faça venturosa, querida Naninha!... Vamos, então, ao nosso serãozinho?!... Estás bem disposta?!...
"- Estou, sim, avôzinho.
"- Desejas dar a liçãozinha do costume?!...
"- Desejo, porque, mais tarde, já senhora, quero ser muito instruída, para quando me perguntarem seja o que for, saber responder".

Não conheço outros trabalhos de Valeriano Machado, mas uma pesquisa na base de dados da Biblioteca Nacional indica a existência de outros textos seus, assinados com aquele nome ou com o de José António Valeriano Machado. Assim, em 1920, editado pela Tipografia do Comércio, publicou um trabalho intitulado Riso de Portugal, riso amarelo ou risos e flores. Também em 1920, e em parceria com Vasco Macedo e Bernardo Ferreira (estes dois na música), surgiu Coplas da revista em dois actos e 2 quadros Risos e flores, aproveitamento do primeiro trabalho. Com data de 1926 e editado no Rio de Janeiro, apareceu Cinzas... : poesia tosca.

Como disse acima, o livro Lições do avôzinho - dedicado à filha do autor, Marina Correia Valeriano Machado - é o repositório de programas infantis na rádio, onde se apresentavam episódios da história de Portugal. Cada lição era dedicada ao filho(a) ou neto(a) de amigos ou familiares do autor, o que ilustra bem o carácter de comunicação de bairro que as rádios locais de Lisboa desempenhavam na década de 1930. Daí igualmente o autor ter colocado no livro as fotografias de três colaboradoras do programa, Maria Helena de Carvalho, a primeira e mais jovem (ao lado, na imagem), Maria Manuela Simões Saraiva e Idalina Fonseca dos Santos (a Lili da Rádio Graça, o que significaria possivelmente a mudança do programa da Hertz para a rádio Graça). Aliás, Lili apareceu identificada logo na terceira lição, considerada amiga de Naninha, a neta da história.

À linguagem simples e ingénua do autor podemos juntar o clima social e cultural da época. 1940 foi o ano da Exposição do Mundo Português, quando o regime de Salazar já estava consolidado e a Europa começava uma das guerras mais devastadoras no continente. O fechamento do regime, a defesa do mundo rural e dos costumes tradicionais e a história de oitocentos anos de nação estão patentes no livro, utilizando a rádio como meio da transmissão geracional de memória oral. A função educativa da rádio foi aproveitada instrumentalmente pela propaganda ideológica do regime, mesmo que o autor a enquadrasse apenas de modo inconsciente.

1 comentário:

Natalia disse...

adorei :) está espectacular. Excelente trabalho, da vontade de ler mais, e aprender mais sobre essa epoca.