domingo, 28 de fevereiro de 2010

SCORSESE

Em Shutter Island, Martin Scorsese passa quase todo o filme a enganar o espectador. A narrativa que nos é apresentada mostra a personagem principal investida no papel de polícia que chega a um hospital-prisão psiquiátrico isolado para investigar o desaparecimento de uma doente. Por vezes, o realizador mostra-nos imagens perturbadoras da II Guerra Mundial, que associamos à personagem principal. Mas seguimos esta, acreditamos no seu papel. O polícia, mais o seu ajudante, procuram indícios, interrogam outros doentes, constroem uma teoria. Os médicos psiquiatras têm um ar estranho, secreto e quase sinistro e louco, o que nos leva cada vez mais a simpatizar com o polícia. Deste, acabamos por saber que a mulher morreu no incêndio da habitação, numa altura em que o polícia estava a trabalhar. E detectamos alguma violência no seu comportamento mas aceitamos este dada a missão para que fora incumbido.

Os sinais que Scorsese mostra constituem um puzzle ainda não inteligível: flashbacks, cenas de corredores com suspense, interrogatórios. Sabemos que a narrativa não encaixa, mas nunca abandonamos a perspectiva do polícia. Embora o cinema seja pródigo em nos apresentar uma permanente inverosimilhança, a história é contada através das movimentações dessa personagem - e acreditamos.

Claro que, quando a personagem procura um hospital num velho farol e encontra sucessivas salas vazias, o respeito que temos pela personagem esmorece. Ele procura o que não existe. Então, quando se assiste ao diálogo com o médico e o assistente, que encarnara o papel de polícia assistente, vemos que o puzzle de sinais ao longo do filme se encaixa. A personagem matara a mulher que amava por que esta matara os três filhos. Para fugir a esta realidade, ele refugiou-se na construção de uma outra personalidade, com todos os elementos a darem ao acontecimento matriz mas em que ele não era culpado mas procurava compreender os sinais de culpa.

O que se vê no filme é a construção irreal em torno da personagem, uma segunda personalidade, uma alucinação, com um denso enredo psicológico. O filme é uma alegoria da violência mental e das possibilidades de manipulação mental, através de fármacos ou de operações de lobotomia. Aliás, no filme, há uma frase em que o médico indica ser adepto de uma terceira via, a do diálogo com os doentes mentais. A personagem interpretada por DiCaprio não aparece nunca algemada para evitar que os seus movimentos sejam impedidos. O filme decorre na década de 1950, logo depois do final da II Guerra Mundial e há críticas a experiências feitas na Alemanha e na Coreia, países em que os americanos tomaram contacto com as realidades e experiências médicas feitas em torno da mente e do possível controlo do cérebro. Diz o realizador que voltamos, na actualidade, a ter medo e paranóia do outro, do controlo da liberdade e da expressão. Nos flashbacks, a personagem principal compara os rostos descarnados e quase mortos dos prisioneiros dos alemães da II Guerra Mundial com rostos semelhantes no hospital-asilo.

No filme, perdemos a noção do tempo - quantos dias, quantas noites de acontecimentos? Igualmente, o espaço é delimitado (as alas do hospital, os espaços dos directores do hospital, o farol, a floresta), mas há oportunidade de descobrir novos espaços dentro dessa delimitação. O conhecimento que temos do mundo é sempre cingido a um tempo e espaço. Mas se perdemos a noção desses limites? Por exemplo, no sonho, ou quando procuramos alguma coisa, o tempo e o espaço têm uma duração psicológica diferente. Dizemos "o tempo passou sem dar por ele", quando nos agrada o que fazemos. Ou "nunca mais passa", se ocorre o contrário. O filme representa, por outro lado, a ideia de viagem - entre a sanidade e a loucura. Por vezes, a fronteira é espessa, muitas vezes, é fina, quase transparente. Scorsese ensina-nos outra coisa: nunca devemos confiar na narrativa, no que nos contam. Quem nos conta tem um interesse em fazê-lo daquele modo e não de outro. Além de que o que compreendemos pode ser diferente do que o vizinho ao lado ou amigo interpreta.

Além de Leonardo DiCaprio, os outros actores principais são Mark Ruffalo, Ben Kingsley e Max von Sydow.

1 comentário:

Jojozinha disse...

Professor, sabe me dizer se o filme (e os seus actores) não foram nomeados para os óscares porque só estreou este ano e não foi contabilizado na nomeação? Ou simplesmente não foi nomeado porque não o quiseram?

Muito obrigado,
Cumprimentos