segunda-feira, 19 de julho de 2010

LEITE DA MÁGOA

La teta asustada (The milk of sorrow, O leite da mágoa) é a história de um bairro pobre de Lima, onde vive Fausta (Magaly Soler), cuja mãe foi violada no período do terrorismo do Sendero Luminoso (década de 1980 até 1993), no momento em que estava grávida. Conta-se que o medo se transfere para a criança através do leite maternal. Assim, Fausta ficaria doente de uma estranha enfermidade, a teta assustada. Além da questão da doença e da ausência de comunicação, o filme apresenta a cidade pobre e a cidade rica, através de planos de uma grande beleza. A favela, a escarpa com as casas pobres, onde os seus habitantes revelam costumes antigos associados a modelos de consumo e comportamentos retirados da televisão e do cinema (as cenas dos casamentos são antológicas, pelas trocas e dádivas dentro de velhos modelos comunitários e de entreajuda, rituais que se devem observar em populações específicas), sempre em ambiente aberto, contrasta com a casa rica, onde a câmara corre colada às paredes do corredor, como se mantivesse a ambiguidade de atitudes. O filme mostra ainda a apropriação das ideias e dos valores da pobre e assustada Fausta pela poderosa patroa, compositora com problemas de inspiração. A viagem para enterrar a mãe de Fausta revela uma paisagem quase lunar, despida de vegetação, como que a reflectir estados doentios de alma.

Fixo-me em dois dispositivos: a porta e a janela/portinhola. A porta de acesso à casa rica revela esta sempre vista de dentro para fora: aqui, há um grande movimento de comércio de rua, com muita gente andando para um e para outro lado. A portinhola é como que uma vigia: só se abre a porta a quem se conhece, pois o mundo "lá fora" anda cheio de criminalidade. O mais espantoso é a janela do quarto da casa inacabada onde habita Fausta; aliás todas as casas estão semiprontas. A janela, que parece não ter vidro, é ampla, panorâmica, como se houvesse necessidade de dominar toda a paisagem para a controlar defensivamente. A porta é o espaço de fluxo de entrada e saída; a portinhola e a janela são dispositivos mais para ver do que se deixar ver. O filme, que é sobre a incomunicabilidade, joga forte nestes dispositivos visuais e de acesso.

Claudia Llosa, realizadora de La teta asustada (1976; sobrinha do escritor Mario Vargas Llosa) foi a mais jovem realizadora a participar e ganhar o Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim (2009). Para a realizadora, uma das suas maiores dificuldades foi a construção da personagem Fausta, pois nunca chegou a conhecer alguém com a doença do leite da mágoa.

A actriz Magaly Solier (1986) nasceu em Huanta, Ayacucho, Peru, região alvo dos ataques do Sendero Luminoso, o que marcou a sua infância. Boa em desportos, Magaly Solier descobriu que a sua paixão era cantar, ganhando em 2003 e 2004 o prémio de novos valores no Festival da Canção de Ayacucho (em 2009, editou o disco Warmi, em língua quechua). A realizadora Claudia Llosa descobriu-a com actriz no seu primeiro filme, Madeinusa, um sucesso em 2006. O segundo filme de Claudia Llosa seria La Teta Asustada (2009).
 
[algumas ideias da mensagem tiveram como base textos da Deutsche Welle e da Wikipedia]

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