Berlim, Buenos Aires, Istambul, São Francisco, Nova Iorque, Manila, Sidney são as cidades registadas por David Byrne. São diários que recuam a quase quinze anos de vida, escritos quando Byrne se deslocava a cidades onde actuava como músico ou expunha (p. 15).
Encantei-me com o que ele escreveu sobre Manila. Escreveu sobre política - que é pragmática, social, psicológica e expressão de um contexto mais amplo. A política inclui música, paisagem, comida, roupa, religião, tempo, é o reflexo das ruas e dos cheiros (p. 177). Byrne ficou num pequeno hotel, longe da zona da classe alta, com uma marginal colada à baía, cheia de quiosques, vendedores e bares e cafés com esplanadas, alguns com música ao vivo ou gravada. Ele queria dormir um pouco, após um voo cansativo, mas a música disco que se ouve impede-o de repousar. Eis que passeia pela marginal, onde ouve uma versão de In da Club de 50 Cent, num sintetizador radical. Noutro sítio, em Binondo, há máquinas de karaoke por todo o lado, mesmo no meio da rua. Há imitadores de Neil Young ou Seals & Crofts, só que com um ligeiro sotaque. Bairro de ruas estreitas, o trânsito é limitado a motas ou carrinhas pequenas, sendo os jeepneys os veículos maiores. Nas ruas, compra-se fruta, vegetais, toalhetes, CD e DVD piratas, peixe fresco, remédios, lembrando outras cidades como Marraquexe, Kuala Lumpur, Cartagena e outras.
Byrne escolhe também Istambul por prazer. Adora a cidade, pela localização física - delimitada por água, dispersa em três grandes extensões, com os minaretes como úteis pontos de referência. Passa por cafés cheios de pessoas que jogam gamão e fumam narguilés (p. 103). Ele compra umas imitações de uma marca conhecida de sapatos. Também compra uns baixo-relevos de dupla face de Atatürk e algumas estampas antigas de mapas árabes. Byrne descreve a sua ida à festa da dança do ventre (p. 113), em que as bailarinas são acompanhadas de quatro músicos (dois percussionistas, um tamborileiro e um banjo turco).
Acabo o percurso de Byrne por Buenos Aires, a Paris do sul. Ele descobriu um género de calão, o vesre, em que se invertem as sílabas (vesre é o contrário de reves). Tango passa a ser gotan, café con leche passa a feca con chele (pp. 131-132). Longe do centro da cidade, descobre uma festa e uma fila que não termina. Teria quatro quilómetros de comprimento, meio milhão de pessoas. São crentes de São Caetano, o padroeiro dos desempregados. É a este santo que as pessoas rezam quando precisam de emprego; algumas também rezam porque têm emprego.
Não, ainda não acabo. Afinal, tenho uns minutos para ler o que escreveu sobre Londres. A capital inglesa é um amontoado de antigas aldeias, logo tem vários centros, escreve Byrne (p. 239). Em Hyde Park, observa o que considera cães da classe alta: setters, scotties, whipets. Cruza-se com uma matrona da classe alta e os seus filhos. Traz um casaco de caça verde, umas calças bege e botas Wellington. Os filhos também têm adereços semelhantes, parecendo estar no meio das Terras Altas escocesas. Pergunta o escritor: estarão à procura de um pedaço de terra para chapinarem as botas? Ou dar uns tiros quando passarem os cisnes ou os patos?
David Byrne nasceu na Escócia (1953) mas a sua cultura é dos Estados Unidos. É músico e compositor, tendo sido o fundador da banda Talking Heads. Gosta de bicicleta e visita as cidades com uma bicicleta dobrável. Os seus amigos ficam intrigados quando o vêem da primeira vez num percurso mas habituam-se rapidamente. Escreve Byrne que atravessar uma cidade "de bicicleta é como percorrer os caminhos colectivos do sistema nervoso central de uma qualquer vasta mente global" (p. 13).
Leitura: David Byrne (2010). Diário da bicicleta. Lisboa: Quetzal
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