quarta-feira, 30 de março de 2011

TAXISTAS

De cada vez que se entra num táxi, a uma viagem junta-se, gratuita, uma aula de política. Agora, com o governo demissionário, as aulas de política são mais intensas e emocionantes. Enquanto conduz, o taxista tem necessidade de falar, de argumentar, de educar. Por sistema, começa: "precisávamos de S. outra vez", etc., etc. Ponho-me a fazer contas: S. nasceu em 1889; não podia ainda viver com 122 anos de idade.

Evito apanhar um táxi a partir do aeroporto para casa. Invariavelmente, como a viagem é curta, o taxista resmunga. Diz: "estive tanto tempo à espera". Um dia, o táxi ia à velocidade de 110 quilómetros à hora, na avenida Gago Coutinho, um pouco antes do radar estar instalado, e que leva os condutores mais apressados a abrandar naquele ponto. O condutor estava furioso comigo e a forma de se vingar era conduzir de modo acelerado.

Mas há taxistas que me possibilitaram histórias divertidas ou inesquecíveis, fora da "educação" política. Lembro-me dos que já me levaram de ou para aeroportos. Em Moscovo, o taxista estava à hora combinada no hotel. A autoestrada da cidade para o aeroporto, de cinco faixas, nunca mais acaba. Era ao começo da tarde de um dia invernoso, com chuva e muito nevoeiro. Vi filas intermináveis de camiões pesados, camionetas de carga, automóveis. Para conduzir a mais de cem à hora, o taxista usava as cinco faixas e incluia ainda a berma como sexta faixa, à procura do melhor espaço para me levar mais depressa. Eu parecia estar dentro de um videojogo alucinante, ora de um lado da estrada ora do outro, ora no meio das filas compactas. Foi muito mais de meia hora de verdadeiro pânico.

O taxista de Munique era mais calmo. Pôs uma música a tocar, indicando ser do meu tempo. Por meu tempo quer-se dizer tempo da juventude. Era falso, porque eu era mais velho e a música que ele pôs não era propriamente do meu agrado. Mas, para passar tempo, eu disse qualquer coisa que o entusiasmou e ele colocou outro CD. O taxista era alto. Medi-o pelos gestos. Ele estirou-se quase até à porta oposta do seu lugar para procurar o CD pretendido e colocá-lo no leitor. Temi que perdesse o controlo da viatura, mas tudo correu bem. Durante a viagem fez mais gestos de quase ocupar os dois bancos da frente, mas sem perder a segurança. A dado momento, saiu da autoestrada, dizendo que havia um acidente e ia por um desvio. A minha preocupação não teria razão, porque mais à frente retomou a autoestrada.

O taxista de Viena, à chegada à cidade, fez-nos uma visita turística. Pena que fosse à noite, mas fixamos logo os Ringe, a Câmara, a Ópera.

O taxista de Cracóvia foi o mais honesto de todos. Eu (ao não falar polaco) e ele (ao não reconhecer uma palavra de português, francês ou inglês) poderíamos ter dificuldade em dialogar. Foi o mais fácil. Disse-lhe querer ir para o aeroporto (a palavra é muito internacional, dependendo quase apenas do sotaque) mas teria de passar pelo hotel a buscar a mala (mostrei-lhe um cartão do hotel, que ele anuiu com a cabeça, mostrando conhecê-lo). Fiz um gesto com os dedos de uma mão a perguntar o preço e ele indicou-me uma quantia. Pareceu-me caro e ele baixou o preço. Na viagem, teve um pequeno engano e o preço acabou por ser mais elevado, até porque a distância era grande e ele não calculara bem o preço. Quando paguei, quis devolver-me a diferença relativamente ao que havia sido combinado. Gostei muito da atitude e acabei por lhe dar uma gorjeta mais elevada. Na mesma Cracóvia, encontraria um taxista intelectual: ele estava a ler uma biografia de Filipe II de Espanha e falou-me da história comum de Espanha e Portugal nesse período. O tempo da viagem foi todo a conversar sobre Portugal, país que ele não conhecia.

O taxista de Boston começou lentamente a falar comigo. Rápido me apercebi ser ele sul-americano e ele saber de onde eu era oriundo, e descobrir qual a razão por eu estar ali. Foi razão suficiente para abrir a portinhola do separador de vidro à prova de bala entre o seu lugar e o meu. A opção securitária dos táxis americanos não se justificava perante um cliente pacífico.

Já o taxista de Ottawa mostrou-me outro universo. Ele foi eficiente ao levar-me a um teatro fora da cidade. Tinha um auscultador de telefone no ouvido e conversou com alguém quase toda a viagem. Não percebi a origem da língua. Perguntei-me se seria turco ou libanês. Na internet, à procura de nomes idênticos ao seu, descobri uma história sobre ele enquanto taxista com mais de oito anos de experiência. O importante da minha história é que ele me aconselhou a telefonar-lhe quando acabasse a peça. No sítio, não havia qualquer praça de táxi. No final da representação, telefonei-lhe. Não veio ele mas um colega. A neve recomeçara a cair e a temperatura estava muito, mas muito, baixa.

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