sábado, 26 de julho de 2014

A Emigrante

De Varsóvia, recordo o centro histórico todo reconstruído como se fosse um cenário de papel – e os inúmeros monumentos a guerras que assolaram a Polónia (imagem tirada em Outubro de 2010). Não conheço o suficiente a história daquele país, mas recordo ainda o fervor religioso – na missa, os crentes ajoelhavam-se todos para receber a comunhão.


A visão do filme A Emigrante (do ponto de vista do país receptor, os Estados Unidos, é imigrante; a tradução brasileira do título segue, a meu ver bem, o original) trouxe-me essas imagens de um país entalado entre dois colossos – a Alemanha e a Rússia. Se um e outro entram em guerra, a Polónia é envolvida, mesmo que não queira. No momento, a Ucrânia tem um problema próximo pelo facto de ser vizinha da Rússia e por ter muitos habitantes oriundos daquele país de fronteira da Europa com a Ásia.

No filme, as irmãs Magda (Angela Sarafyan) e Ewa (Marion Cotillard) deixam a Polónia devastada pela I Guerra Mundial, onde assistiram à morte dos pais pelos invasores e chegam aos Estados Unidos em 1921. O sonho de uma vida melhor é alimentado pela presença de tios em Nova Iorque (Brooklin). À chegada, Magda é colocada no hospital, por suspeita de tuberculose. A outra irmã, falhado o encontro com os familiares, é vítima de Bruno (Joaquin Phoenix), homem que explora um teatro e um negócio de prostituição.

Como Ewa precisa de dinheiro para pagar os tratamentos à doença da irmã, engrena nos negócios daquele homem que ela detesta. Até que se cruza com Orlando/Emil (Jeremy Renner), primo daquele e também emigrante judeu, ilusionista, e que procura convencer a jovem emigrante a abandonar aquela vida. Uma das discussões acaba com a morte de Emil às mãos de Bruno. Mas uma prostituta que testemunhou de modo anónimo atirou as culpas à polaca. A testemunha precisava da orientação de Bruno e Ewa era uma concorrente na profissão. Ewa vê-se uma vez mais a ser apanhada pela polícia e deportada (já fora denunciada pelo próprio tio, que recebera informação de mau comportamento moral da rapariga na viagem da Europa para a América). É então que Bruno trata do resgate de Magda do hospital e as duas mulheres recebem os bilhetes para viajarem para a Califórnia e acabar o pesadelo.

Registo o impacto das imagens e planos da casa onde Ewa seria acolhida e o balneário público, numa espécie de iniciação. Mas destaco o “teatro dos bandidos”, onde Bruno apresentava as mulheres com designações europeias e asiáticas, atraindo um público masculino imigrante da classe baixa ao teatro de vaudeville ou saloon de concerto. Este oscilava entre o legítimo e o proibido, certamente muito mais perto do último, incluindo a venda ilegal de álcool e o tráfico sexual de raparigas bonitas, espaços ligados ao roubo e assassínios, como lembra Richard Butsch (The Making of American Audiences, 2000, p. 99) e à compra de favores policiais. Ewa era a nova estrela do espectáculo do saloon. Expulso do teatro, Bruno e as mulheres vão representar sob um viaduto, onde os deserdados viviam, sinal da regressão total, como se fossem apenas espíritos e clowns perseguidos pelos polícias.

O sonho de melhor vida mantido por Ewa parecia desmoronar-se ali. Contudo, a fé muito forte, visível na igreja quando se confessa, mantê-la-ia viva e determinada. Ao invés, Bruno fraquejou ao longo do tempo e viu-se até expulso da sociedade de bas-fond onde vivia.

Li que o filme de James Gray (ele próprio descendente de uma família soviética que se mudou para os Estados Unidos) podia ser um representante do cinema italiano dos anos de 1950. Neo-realista, talvez, agora a cores e concentrado no rosto das personagens, nomeadamente o da actriz francesa Marion Cotillard. Li ainda que o realizador explora dois temas que gosta de filmar: o estilo de vida americano e a entrada de imigrantes no país. A entrada na ilha onde está a estátua da Liberdade não me parece muito diferente de há cem anos, com a grande diferença de hoje não haver refugiados europeus à procura do sonho americano de vida.

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