sábado, 19 de julho de 2014

O olhar inabitado das manhãs

Num pavilhão do Jardim Botânico ouviam-se, ao longe, os sons urbanos. Por vezes, um avião sobrevoava à procura de aterrar no aeroporto não distante do centro da cidade. A noite prometia ser de tempestade em dia de verão, mas apenas caíram uns pingos, que se ouviam sobre as folhas do jardim. Insectos rodeavam os holofotes que iluminavam a cena do interior do pavilhão.

Aqui, com texto de Cátia Terrinca a partir do universo poético de Sophia de Mello Breyner Andresen, e com direcção artística de Daniel Gorjão, execução de figurino de Teresa Capitão e cartaz de Ricardo Aço, para o Teatro do Vão, a actriz Sara Carinhas interpretou o papel único da peça. Às vezes, não ouvi bem o que ela disse, porque a poesia é uma arte difícil. De ler, de ouvir. Mas bastava a magia das palavras - os sons das palavras que se juntavam a outros sons vindos de fora, como escrevi acima.

No verdadeiro começo, Sara Carinhas indicara o caminho do pavilhão. Depois, elegante nos seus passos de dançarina, entrou no pavilhão. Ali não havia a divisão clássica de palco e plateia mas uma espécie de separador de fios, de onde se via a actriz. Uma vez, ela passou essa barreira de fios e ficou junto aos espectadores, evocando as palavras da poetisa que descansa agora no Panteão. Sara Carinhas elogiou, quase chorou, falou das coisas da vida, do amor e da maternidade, e também da separação.

Quanto tempo durou a representação? 30 minutos? 40 minutos? A poesia correu depressa, os gestos delicados concluíram-se. A noite de verão ficava serena. E acabava a contradição com o título O olhar inabitado das manhãs. Afinal, a noite e a manhã fazem parte do dia e da arte e da poesia.

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