segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Ainda bem que me pergunta - a minha homenagem a Daniel Ricardo


Tinha 73 anos, exercia ainda funções de editor executivo do gabinete editorial da Visão, revista de que foi fundador. No começo da década de 1960, frequentou até ao quarto ano a Faculdade de Direito de Lisboa, onde foi dirigente da Associação de Estudantes. Para o jornalismo, entrou em 1968, no vespertino A Capital, onde cedo chegou a a funções de chefia. Trabalhou ainda nas seguintes publicações e jornais: Flama, O Século Ilustrado, Diário de Notícias, O Diário, Sete e O Jornal. Militante do Partido Comunista, pertenceu aos corpos gerentes do Sindicato e do Clube dos Jornalistas e integrou o secretariado da Comissão da Carteira Profissional.  Desde 1978, dedicou-se também ao ensino do jornalismo, como colaborador do CENJOR (Centro de Formação de Jornalistas) e coordenou o curso de pós-graduação em jornalismo Impresa e Universidade Nova de Lisboa a partir de 2011. Faleceu no final da semana passada.

Escreveu os livros de estilo de O Diário, O Jornal e Visão e foi autor dos livros Manual de Jornalismo e Ainda bem que me pergunta. Manual de escrita jornalística, este último publicado em 2003 e que analiso agora. No livro, o autor parte do princípio de que escrever, para o jornalista, é para ser lido. Daí, relevar a linguagem do jornalismo e os objectivos do profissional: informar, explicar, convencer, divertir, não esquecendo que o faz para públicos diferentes. Lema: para escrever bem, é preciso pensar bem. Em que o talento literário aparece como fundamental.

Se a literatura é uma arte, o jornalismo surge como uma técnica de comunicação - as fronteiras, as diferenças e as qualidades das duas disciplinas. No texto jornalístico, continua o autor, interessa o conteúdo: informações e explicações objetivas dos episódios da realidade social. Pelo que cabe à escrita jornalística tornar as mensagens informativas e explicativas o mais acessíveis e atraentes. A escrita jornalística faz-se por meio de frases curtas, verbos no indicativo e na voz ativa, com linguagem simples e afirmativa.

O uso de vocabulário  nas peças jornalísticas constitui um elemento útil a observar. Os leitores conhecem em média o significado de três mil vocábulos. O autor reduz mesmo para 2200 palavras o indispensável e conta que Manuel da Fonseca, nos seus romances, não utilizou mais do que 500 palavras etimologicamente diferentes. Nas suas peças (notícia, reportagem, entrevista, crónica, comentário), o jornalista precisa de escrever de modo simples, direto e sem uso de charadas. Para escrever bem, identifica Daniel Ricardo, é preciso ler muito, como romances policiais (para ganhar ritmo e lógica de narração) e jornais, compreender a linha editorial do meio em que trabalha e estar em formação (aprendizagem) contínua.

Num jornal diário, um texto não deve ultrapassar 450 palavras. Mesmo assim, lê-lo-ão apenas 29% dos leitores. Cada período do texto não pode ultrapassar 36 palavras, havendo quem defenda 15 palavras como tamanho de boa compreensibilidade [no período, eu usei 19 palavras]. Sobre o ritmo da escrita, o autor usa metáforas radiofónicas: o locutor que apresenta música clássica fala lentamente, para criar um ambiente agradável, ao passo que o relatador desportivo acelera a sua descrição quando o jogador se aproxima da baliza e remata, a criar uma grande expectativa.

O livro fala de estilos, títulos, leads, leis de proximidade (valores-notícia), verbos, grafias, livro de estilo, siglas e acrónimos, elipses e editoriais. Um livro adequado para ensinar a profissão aos novos jornalistas.

Leitura: Daniel Ricardo (2003). Ainda bem que me pergunta. Manual de escrita jornalística. Lisboa: Editorial Diário de Notícias, 252 páginas

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