quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Da cultura oral à escrita

O Queijo e os Vermes, de Carlo Ginzburg (1976), não é propriamente um livro de férias. Nem eu pensava lê-lo, embora soubesse que a necessidade de ler sobre a teoria da micro-história me levaria um dia ao autor italiano. Uma cópia publicada na internet ajudou-me a resolver as dúvidas (2006, editado pela Companhia de Bolso, São Paulo).

O livro ajudou-me não pelo que eu procurava - apresentação e análise da teoria - mas interessou-me pela trama. O livro é como um romance, pois nos apresenta personagens quase efabulatórias e com ideias quase incríveis. Menocchio viveu no século XVI e tinha estranhas conceções de como o mundo fora criado. Ao início, o mundo era um caos e todo o volume se formou em massa, do mesmo modo que o queijo é feito de leite coagulado e do qual surgem vermes. Estes seriam os anjos, com Deus a tornar-se o melhor dos vermes e o mais potente dos homens (p. 97 da tradução feita no Brasil e que li). Claro que a insistente remissão para o queijo e os vermes, indica Carlo Ginzburg, teria em Menocchio uma função analógica-explicativa.

Menocchio de Montereale, o sítio onde morava no Friuli (Itália), que na realidade se chamava Domenego Scandela, era um moleiro que aprendera a ler e a escrever (mais aquela ação que esta), tornara-se uma espécie de intelectual que precisava de encontrar parceiros para a discussão das coisas do mundo e da religião. Os únicos parceiros que encontrou - e com quem se entusiasmou - foram elementos do Santo Ofício da Inquisição. Os interrogatórios para desmantelar as ideias estranhas do moleiro constituíram grosso volume que Ginzburg usou. Considerado apóstata, ficou três anos preso, após o que a sentença foi reconsiderada. Menocchio prometeu não voltar a rebelar-se contra as ordens do poder religioso. Obrigado, porém, a vestir uma roupa que o identificava com a decisão do tribunal inquisitorial. No final, Menocchio reincidiu e foi condenado à morte. As suas fantasias teológicas eram mais fortes do que ele.

Tenho pena de Marshall McLuhan não conhecer este Menocchio, pois certamente produziria uma brilhante exposição sobre ele. O moleiro viveu a transição histórica da linguagem gesticulada da cultura oral para a linguagem da cultura escrita (lida, mais precisamente). Leitor compulsivo das obras que encontrava, Menocchio construiu um mundo mental que não existia e, mais do que isso, contrário às leis e às regras da época. Além disso, por causa de uma cultura frágil, ele foi distorcendo o que lia, interpretando à sua maneira, de que resultou uma cosmogonia nova. Os mundos de cada indivíduo podem ser perturbadores ou ricos de complexidade de acordo com o modo como se olha o mundo. Exemplos disso as obras de cinema e os romances. No caso de Menocchio, à sua mente imaginativa, é preciso ver como se salta de um tipo de cultura para outro e qual o seu impacto.

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