domingo, 29 de maio de 2016

Ibsen no Porto

Já não me lembrava de ver Júlio Cardoso (pastor Manders) representar. Sem ser deslumbrante, o papel saiu-lhe muito bem. Gostei igualmente ou mais até de Custódia Gallego (Helene Alving). Dos outros atores (e personagens) da peça de Henrik Ibsen, Espetros (1881), reconheço a boa presença em palco de António Reis (carpinteiro Engstrand), Catarina Campos Costa (Regine Engstrand) e Ricardo Ribeiro (Osvald Alving).

A peça gira em torno do senhor Alving, já falecido, e cuja memória se ia perpetuar enquanto benfeitor com a inauguração de um infantário. Da conversa entre o padre Manders e a senhora Alving sabemos duas coisas: o defunto não fora tão puro que merecesse uma homenagem, porque bêbado e pai fora do casamento (Regine era filha dele e de uma criada, depois casada com Engstrand); entre Manders e Helene houve uma muito antiga paixão, sublimada por aquele.

Pela má relação do casal Alving, a mãe decidira enviar para fora e desde muito novo o filho Osvald. Ele estivera em Paris onde começou uma atividade artística ligada à pintura mas de que não se fica a saber muito. Mas sabe-se que ele herdara a sífilis do pai e vinha para morrer nos braços da mãe.

Ibsen, que estava à frente no seu tempo, recupera a tradição de grande teatro que parecia perdida desde Shakespeare. A sua peça é um drama que retoma o modelo grego, onde se evoca o passado e se pressagia o futuro, embora a ação não se prolongue muito no tempo e o número de personagens se reduza à família e núcleo íntimo. E ressalta uma quase incongruência: de um doente de sífilis, o filho legítimo recebe-a ao passo que a filha fora do casamento é uma rapariga cheia de saúde, como James Joyce escreveu após ver a peça em Paris.

Julgo que a peça fez uma boa temporada no Teatro São João (Porto), augurando um bom regresso do grupo Seiva Troupe, não muito bem tratado pelo anterior executivo camarário, cujas prioridades não passavam pelo teatro da cidade. No pequeno texto incluído no programa, o grupo manifesta a sua alegria por representar uma peça com tantos anos num tempo muito afeito à grande contemporaneidade, que não permite refletir sobre as humanidades.

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