De um pequeno texto do colecionador, retiro: "Destes instrumentos poderiam ouvir-se as mais belas melodias, rodando simplesmente uma manivela, dando corda a uma mola, acionando pesos, movimentando pedais, articulando foles". De uma notícia do Público, de há quatro anos, sobre a coleção então ainda à espera de sítio definitivo, retiro a seguinte parcela: "E que sistemas [de produção de sons] são esses? Os cilindros de madeira, por exemplo, eram movidos rodando uma manivela e activavam várias peças, tais como um Gem Roller Organ de 1887 para se ouvir 39 segundos de Auld Lang Syne, uma conhecida canção tradicional inglesa de Ano Novo, ou um piano bastringue que toca sozinho a valsa Douce Risette. Os cilindros de metal são usados nas caixinhas de música. A Edellweiss (peça do final do século XIX) usa um disco de metal para ressoar 63 segundos de um excerto de La Fille de Madame Argot, uma ópera cómica criada por Charles Lecocq em 1872. Já o Coelophone Orquestre, uma peça francesa de 1884, prefere uma simples banda de cartão. E o gigantesco Seybold, que junta um piano, um acordeão e um tambor numa mesma peça, é capaz de animar uma sala com Mimi d"Amour usando um frágil rolo de papel".
Num olhar mais preciso, noto similitudes em tecnologias: entre aparelhos de música mecânica e telefones, na transição do século XIX para o XX; no cartão perfurado de aparelhos de música mecânica a lembrar os computadores das décadas de 1950 a 1970.
Descobri um texto - que coloco a seguir, escrito por Teresa Margarida Cangueiro (e colegas) em abril de 2013 aqui - sobre o que se esperava do museu, agora tornado realidade (inaugurado em outubro de 2016):
“A música é algo intrínseca ao ser humano. A sociedade contemporânea tem uma relação diária com gira-discos, leitores de cassetes, ipods, iphones”, afirma Luís Cangueiro, “A história é a memória da humanidade, e será através das sonoridades que estes instrumentos nos transmitem que as gerações vindouras poderão recriar e reviver uma época já longínqua”. A prática colecionista de Luís Cangueiro remonta a muitas décadas atrás.
Em 2000, a coleção de instrumentos de música mecânica já contava com cerca de três centenas de peças. Como consequência, o proprietário deste importante espólio decidiu que se justificava a construção de um espaço próprio, de forma a poder preservar e expor estas peças de forma condigna. Tratar-se-ia de um espaço museológico privado, de acesso restrito a familiares e amigos.
O interesse em aumentar a área de construção de um pequeno espaço, destinado a utilização privada, seria transformar a edificação já quase concluída num projeto de museu que pudesse ser considerado de relevante interesse cultural. “A iniciativa da construção deste museu tem como objetivo contribuir para a divulgação da música mecânica, muito pouco conhecida em Portugal, ao contrário do que acontece com outros países da Europa”, acrescenta Luís Cangueiro. As previsões para a conclusão das obras de construção do museu apontam para o próximo ano.
A coleção prima pelas diversas tipologias que se distribuem pelos mais variados instrumentos. Estes têm como objetivo tentar compreender a importância e o lugar que a música ocupava na sociedade da época da segunda metade do Séc. XIX até aos anos 30 do Séc. XX. O acervo divide-se nas duas grandes áreas da música mecânica: os instrumentos de música mecânica e os fonógrafos e gramofones.
A primeira forma de instrumento musical mecânico foi a caixa de música de cilindro, tornando possível ouvir-se música em casa sem ter que aprender a tocar um instrumento. Dentro desta parte da coleção é possível encontrar as diversas tipologias dos instrumentos de música mecânica: caixa de música de disco metálico, caixa de música de cilindro metálico, o autómato, o instrumento de cilindro de madeira, o instrumento de suporte perfurado e diversos objetos ligados a estes instrumentos.
A segunda área da música mecânica é dedicada aos fonógrafos e gramofones. Estes aparelhos tornaram possível gravar e reproduzir no momento seguinte a voz humana pela primeira vez. Estes têm a capacidade de nos transmitir a sua sonoridade por intermédio de cilindros que imortalizam as canções dos artistas do passado.
O primeiro fonógrafo foi apresentado por Thomas Edison em 1877. Esta máquina era constituída por um cilindro posto em movimento por uma manivela e recoberto por uma folha de estanho muito fina. “Num dos lados havia um estilete preso a um diafragma para gravar o som, e no outro uma agulha presa a um outro diafragma para o reproduzir. Edison pôs lentamente em movimento o cilindro e recitou um poema infantil Mary Had a Little Lamb, ouvindo-se a sua voz a reproduzir estes versos”, explica o colecionador, “Assim, tinha acabado de nascer a primeira máquina falante, o Tin Foil Phonograph, a primeira invenção com a capacidade de registar a voz humana”. O surgimento do fonógrafo levou o público a desinteressar-se pelos instrumentos de música mecânica.
Posteriormente foi a vez do gramofone se impor em relação ao fonógrafo. O Gramofone foi inventado por Berliner em 1887. O gramofone substituiu claramente o fonógrafo como instrumento de reprodução, sendo considerado como o grande precursor dos gira-discos elétricos que chegaram até aos nossos dias. Nesta coleção estão incluídos diversos modelos de fonógrafos e gramofones: gramofones de viagem, gramofones de criança, grafonolas, objetos relacionados com esta área como brinquedos musicais, agulhas, etc. e as formas de comunicação utilizadas na promoção destes aparelhos.
O aparecimento da telefonia fez com que os gramofones perdessem gradualmente a sua influência. Durante décadas as máquinas falantes que constituem esta colecção eram os únicos meios para divulgar a música. Perante o som destas caixas falantes no plano acústico, estas são restauradas permitindo a audição destas sonoridades que nos transportam para o plano sentimental ao despertar uma profunda nostalgia através da recriação do fascínio que provocou nas gerações passadas.
A coleção começou como um passatempo, tornando-se no primeiro museu dedicado à música mecânica. Neste espaço é impossível resistir à audição dos sons mágicos e nostálgico, produzidos e reproduzidos por estas máquinas falantes. É através da memória auditiva dos visitantes que ficará parte da essência da sociedade desta época. Este museu será o palco de um concerto do passado. “Ver, ouvir e sentir” é a mensagem que se deixa a todos os visitantes que se aventurem nesta viagem musical. A difusão desta arte permitiu o universo de uma linguagem musical, sem barreiras linguísticas.
O Museu de Música Mecânica, para além das salas de exposição, tem um auditório, uma sala de exposições temporárias (atualmente com uma coleção de fotografias de Luís Cangueiro), um centro de documentação, uma cafetaria e um espaço de venda de artigos relacionados com o museu.
Sem comentários:
Enviar um comentário