No começo da representação de Climas, não percebi ao que tinha ido (Teatro S. João, Porto). Parecia-me desconexo, cheio de contorcionismos e sem texto. À medida que o tempo foi passando comecei a degustar (não sei se o termo é correto aqui) e a encontrar coerência, deixando de pensar ser uma modernice - mais própria para uma sala experimental como tem sido o teatro de Carlos Alberto (Porto). A ausência de códigos específicos ou explícitos pode tornar uma experiência de palco agradável ou o inverso, perigo que corri. Por isso, a leitura dos textos do programa (catálogo) foram úteis para a compreensão do visto e ouvido no palco.
Primeiro, o espaço central dado à improvisação. André Braga e Cláudia Figueiredo levaram os materiais de partida e deixaram que o grupo constituído por Costanza Givone, Daniela Cruz, Gil Mac, Margarida Gonçalves, Paulo Mota, Ricardo Machado cocriassem e interpretassem dentro de uma estrutura de quatro capítulos: pântano irrespirável, febre seca, coração da terra e buraco negro. Os seis intérpretes (três mulheres e três homens) dançaram, cantaram, foram quase bailarinos, transfiguraram-se através dos gestos, do vestuário e das cores que pintaram nos corpos. Depois, às vezes, coreografias, outras vezes, jogos quase fabulosos de luz (Francisco Tavares Teles e João Abreu), deixando antever manchas e movimentos, quase a hipnotizar o espectador, muitas vezes com o apoio da música (sonoplastia de André Pires), marca definidora de ocupação de espaço, e do vídeo (Gonçalo Mota), num jogo de outro espaço de representação. Um elemento a acrescentar: o microfone desempenha um papel inovador, na minha perspetiva: ele não serve apenas para ampliar sons mas adquire um estatuto de confessionário, que os intérpretes procuram para mostrar estados de alma, e de papel próprio, emitindo sons apenas seus (no carrinho de jardineiro, por exemplo). Além de tudo, o uso da terra no palco extravasou para a sala toda. No ar, ficou um cheiro a terra de castanheiro e outras árvores, numa aproximação à realidade fora do palco e da plateia fechados e climatizados. Os corpos dos intérpretes rolam no chão, correm, abraçam-se e repudiam-se, na espécie de normalização na relação humano-natureza, mas com leituras simbólicas da separação dos dois.
A produção deve muito à Circolando (mais a Culturgest e o CMA/Teatro Aveirense), que podia ter sido apenas um grupo de circo, como nos momentos iniciais da representação eu julguei, mas é uma peça de maturidade do grupo. De texto que recolhi sobre Climas, li "a Circolando ficcionou um território humano projetado num horizonte de mar, rio e céu". A peça levou a companhia a um palco convencional, fechado e climatizado, a cumprir o desígnio de Goethe (Diário das Nuvens) de "reintegrar o céu na paisagem humana". Li ainda que a peça "desafia o potencial performativo destes diálogos felizes entre poesia e climatologia".
A palavra, elemento primordial do teatro, fica aqui em plano muito secundário. O dizer é menos importante que o fazer ou agir. Não sei se é mau, mas fico com mais material para refletir. A performatividade, palavra já usada acima, torna-se multimedia, em que o teatro está para além das relações sociais das personagens. Aliás, em Climas, as personagens não existem mas apenas relatos de ações em dias identificados pela voz dos atores.
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