A peça foi escrita por Mia Couto e José Eduardo Agualusa para os 45 anos de atividade da Comuna Teatro. Um homem, angolano, chamado Charles Poitier Bentinho (Miguel Sermão), foi apanhado a sair da Síria, onde teve contactos com o estado islâmico Isis. Chegado a Lisboa é preso e interrogado por polícias nacionais e uma americana - inspetor Laranjeira (Virgílio Castelo), agente Lara (Ana Lúcia Palminha) e agente Maggie (Rita Cruz).
Rapidamente, para o espectador, percebe-se que Charles Poitier Bentinho não é terrorista. Mas sim um homem que vive num universo onírico e não ocidental, uma espécie de feiticeiro que conversa com os pássaros e afasta os demónios de cada indivíduo, querendo resolver os seus problemas, além de um grande coração para as mulheres. Mas cada personagem tem um papel a desempenhar e os polícias têm que apresentar serviço e descobrir o que levou o feiticeiro africano a passar muito tempo na Síria. Ele seria levado pelos olhos do tamanho de um oceano de uma mulher e perseguiu-a até ao Oriente (ele não viu mais nada porque a mulher vestia uma burca).
Gostei especialmente das palavras (falas) de Charles Poitier Bentinho, porque desmonta o mundo racional e lógico em que nos costumamos mover, o que é uma nota positiva para os escritores da peça. Além de divertido na sua inocência, deteta-se uma outra forma de pensar - uma lógica não cartesiana. O título do seu livro Minas e Armadilhas não é o que pensam os polícias mas apenas um manual de cortesia para com o sexo oposto. Convencido que a aparência no vestir é o primeiro passo para uma conquista ou solução, e após ouvir desabafos ou confidências dos polícias, ele muda de papel e passa de bandido a conselheiro, indicando-lhes os remédios para afastar os problemas.
No final, como cada personagem cumpre um papel, o de Charles Poitier Bentinho é o de ser expatriado para os Estados Unidos, para a prisão de Guantánamo. Contudo, ele exerce uma grande influência nos seus carcereiros, com os comportamentos dos polícias a mudarem: o inspetor passou a vestir-se no alfaiate de Bentinho e voltou a sair com Lara, ao passo que a americana Maggie ficou com uma imagem distinta (e humana) de África.
Charles Poitier Bentinho é um contador de histórias. Afinal, a atividade central do seu intérprete, Miguel Sermão. Por isso, o papel está tão bem construído. Versão cénica e encenação de João Mota.
Sem comentários:
Enviar um comentário