sábado, 11 de março de 2017

Fotografias de Alfredo Cunha em exposição


São quatro décadas de trabalhos fotográficos de Alfredo Cunha expostos na Cordoaria Nacional (Lisboa) - Tempo Depois do Tempo. Na folha da exposição, Maria do Carmo Serén explica que o tempo na exposição surge repartido por decénios, em que o fotógrafo deixou imagens relativas a questões internacionais e nacionais, quase momentos decisivos de guerras, catástrofes, intervenções policiais. Em Portugal, no Iraque, no Nepal, em Moçambique ou Guiné-Bissau.

As imagens refletem valores. Do fotógrafo, que acredita na humanidade e na superação de dificuldades, como as vítimas de um terramoto, que se deixam fotografar de frente. Numa delas, uma rapariga assoma à janela da casa, quando todo o resto é destruição. O olhar do fotógrafo é, com muita frequência, duro, ao colocar no centro da sua objetiva, os desapossados ou marginais da sociedade. Por isso, do lado dos fotografados, verifico uma regular presença com dignidade, mesmo que a situação seja medonha. Recordo a imagem de um rapazinho, do lado direito da imagem, quando o resto é ocupado por polícias de choque em ação num bairro problemático. E da imagem de retornados pós-1974, caso de uma de Angola, com uma mulher atarantada, que perdera todos os seus bens e estava ali à procura de embarque para Portugal, com as crianças ao seu lado.

Uma das salas é reservada a retratos de figuras políticas e culturais desta longa e aventurosa carreira de Alfredo Cunha. Na minha retina ficaram as fotografias de Mário Soares, sentado à secretária do poder com o pé fora do sapato, do rosto rugoso (quase brumoso) de Vasco Gonçalves, e da bonita imagem da pintora Graça Morais. E, das imagens dos militares de 25 de abril de 1974, a de Salgueiro Maia, de espingarda na mão, a olhar levemente de lado para o fotógrafo.

Chamo, de novo, a atenção para a folha da exposição, de autoria de Maria do Carmo Serén, para a informação sobre as obras de Alfredo Cunha. Ela explica, embora seja melhor ver a exposição, as mudanças sociais que as fotografias testemunham. O exemplo pode ser Portugal: da feira de gado e da procissão no rio à exuberância da nova cultura urbana. Concluo: se fossem vivos e visitassem a exposição, muito gostaria de ler o que Roland Barthes e Eric Hobsbawm teriam para escrever.

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