quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A Guerra dos Mundos em Braga (1988)

A minha primeira tese é a do jornalismo atender ao facto e não à problemática. Explico melhor, a partir de duas notícias publicadas no Jornal de Notícias (30 e 31 de outubro de 1988). O episódio radiofónico emitido por Orson Welles ocorrera cinquenta anos, pelo que o jornal o recordou. No primeiro daqueles dias, o jornalista deu o destaque ao episódio e, em texto pequeno, informou a realização de uma evocação em rádio pirata. 1988 foi um ano muito rico em experiências radiofónicas e nada melhor do que experimentar a guerra dos mundos.


O texto do segundo dia tem título, antetítulo e pós-título bem expressivos. A homenagem voltara a assustar uma população e a polícia teve de intervir (e proteger os animadores da rádio). Os dois telefones da rádio não pararam de tocar nessa tarde. Brincadeira de mau gosto e ameaça de bomba nos estúdios da rádio foram consequências não previstas. Por isso, um dirigente da estação de Braga prestou declarações ao jornal mas manteve o anonimato. O medo voltara-se contra ele.



A minha segunda tese sobre o jornalismo é a ausência de memória cultural. Em 1958, o então jovem realizador José Matos Maia, levado pela leitura de revistas e fanzines, descobrira Welles e produzira o episódio para a Rádio Renascença. O episódio não chegou ao fim, porque as linhas de telefone da polícia estavam "entupidas", com ouvintes muito amedrontados, e agentes da polícia entraram na estação e puseram cobro à aventura estética. Nos dias seguintes, Matos Maia foi responder a um inquérito na polícia política. Se repetisse um pânico semelhante, ficaria preso.

O jornalista não fez qualquer alusão a essa história. No caso de 1958, esteve em causa a ausência de liberdade e a presença constante da vigilância e da censura. Em 1988, o episódio português era já conhecido e o realizador voltaria a repeti-lo, agora em situação de liberdade de expressão e com igual medo coletivo, o que indica o impacto dos media. A rádio talvez tenha maior peso que a televisão, porque falta a imagem e o ouvinte obriga-se a reconstruir o que ouve para o tornar mais real ou inteligível.

A meu ver, houve preguiça - é mais fácil retirar a informação oriunda de uma agência, ou hoje de um sítio da internet, do que procurar divulgar o que aconteceu no país.

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