A série de hoje de fotografias de Bernardino Pires mostra dois quadros: um fixo e outro em movimento. O fixo é o da vendedeira e do homem a dormitar. De vendedeira diz-se de quem trabalha num mercado de abastecimento de géneros alimentares (Ciberdúvidas). O quadro em movimento é o das pessoas que passam naquele espaço.
A mulher que vende já é velha, com rosto de sofrimento e olhar focado no vazio. As mãos, pousadas no regaço, parecem inchadas por doença. Veste um xaile, a indicar temperatura menos amena. Nos pés, parece que usa uns tamancos de madeira. O cesto à sua frente está vazio ou quase. Não sei se ela vendia alhos ou batatas; eu gostaria que fosse algo mais agradável como figos. O cesto atrás está mais cheio mas não adivinho o conteúdo.
Do homem, há menos detalhes, pois ele está escondido sob o casaco. Certamente a dormitar ou porque quis evitar o contacto visual com o fotógrafo. Mas, no casal, os sinais de pobreza são claros. Duas janelas em prédio ao fundo da arcada estão muito destruídas e sem vidros. Efabulo: seriam vendedores de alhos ou batatas de Gondomar? Ou da Maia?
Nas outras duas fotografias visualizam-se uma mulher de avental com um bebé ao colo e uma jovem com uma mala a lembrar uma lancheira, esta em passo mais rápido que aquela. O homem continua dobrado sobre si mesmo, a indicar estar a dormitar e não a evitar o fotógrafo. Este teria tirado as três imagens como instantes do quotidiano, quase a lembrar um filme, embora na terceira imagem ele se tenha deslocado para a sua esquerda (já sem se vislumbrar as janelas ao fundo da arcada).
O local é o de arcada da Ribeira (Porto), perto da ponte D. Luís I. Bernardino Pires fez muitas fotografias naquela área. O Barredo, o bairro por detrás da arcada, é muito antigo. Na época das imagens, as lojas em frente ao rio eram mais armazéns onde se guardavam legumes secos, como feijões, azeitonas e outros bens. Ainda havia tráfego fluvial - barcos e batelões acostavam; na outra margem do rio, a azáfama comercial envolvia barcos rabelos com vinho fino oriundo da Régua e chamado vinho do Porto. Um pouco acima do local fotografado, transitários e empresas marítimas ainda animavam muito a zona. A população local estava envolvida em pequenos ofícios, de carregador a trolha (pedreiro) e a empregado de loja de ferragens, que existiam pela rua de Mouzinho da Silveira acima. Na década de 1960, a zona da Ribeira entrou em decadência, com a mudança do peso do porto fluvial para o porto de Leixões (Matosinhos), a permitir a atracagem de navios de maior calado. Os transitários saíram todos para Matosinhos e Perafita (terminal de contentores). No final da década de 1970, houve renovação predial mas muitos dos moradores locais seriam colocados noutras zonas do Porto, alterando as características locais, hoje um grande espaço de restaurantes e alojamento local para turistas internacionais chegados em voos de baixo preço.
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