A TELEDEPENDÊNCIA SEGUNDO SARTORI
Para Giovani Sartori (2000), a televisão – a que chama vídeo, ver de longe – está a transformar o homo sapiens, produto da cultura escrita, em homo videns, com a imagem a destronar a palavra.
Sartori ilustra o seu raciocínio com o desenvolvimento da civilização a partir da escrita. Esta dá início ao abandono da comunicação oral, o qual culmina com a invenção da imprensa. O autor italiano segue mais Havelock (A musa aprende a escrever, original de 1988) do que McLuhan (A galáxia Gutenberg, original de 1962). O homo sapiens que multiplica o seu saber é o homem de Gutenberg (Sartori, 2000: 21). A evolução da imprensa resultaria, na passagem do séc. XVIII para o XIX, no jornal. Nesse momento, preparava-se um conjunto importante de avanços tecnológicos: telégrafo, telefone, rádio. Desaparecia a distância e começava a era das comunicações imediatas. A informação de massa difundia-se com o aparecimento da rádio. O jornal excluía o analfabeto; a rádio chegava junto dele. Mas com uma perda, a simplificação (2000: 73).
Grande parte do nosso vocabulário cognitivo e teórico consiste em palavras abstractas, sem equivalente preciso em coisas visíveis. É aqui que a televisão causa uma ruptura em termos comunicacionais, escreve Sartori. A televisão produz imagens e apaga conceitos, atrofia a capacidade de abstracção, e com ela, a capacidade de compreender (2000: 39). A imagem é inimiga da abstracção, destaca este autor apocalíptico (descrente na capacidade da televisão, por oposição a integrado, que vê virtualidades na imagem, seguindo a linguagem de Umberto Eco).
Além disso, a informação que surge na televisão é apenas aquela que pode apresentar imagens. Se não houver imagem, não há notícia. Sartori exemplificaria com as imagens relativamente à operação "Mãos Limpas" em Itália (movimento de juízes face à corrupção política): sempre as imagens de cofres de segurança de um banco, portas, janelas, ruas, automóveis, incumbidas de preencher o tempo da notícia. Em Portugal, os casos ligados à justiça há mais de um ano também preenchem este framing. Escreve ainda Sartori: se houver eleições na Alemanha ou no Reino Unido, estas são contadas em 30 segundos. Mas uma reportagem sobre uma estória de fazer chorar (caso de um crime) dura dois a três minutos. A televisão actua sobre os sentimentos e as emoções, em casos de matanças, tiroteios, manifestações, queixas, prisões.
Logo, o videodependente (o indivíduo passivo que passa cada vez mais horas diante de um televisor) tem pouco sentido crítico. Sartori aponta o dedo à formação das crianças, que antes de frequentarem a escola já tiveram uma longa aprendizagem televisiva, transportada para a noção de jogo. Entende que, ao se perder a capacidade de abstracção, se perde também a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso. Para Sartori, a televisão “destrói mais saber e mais compreender do que aquilo que transmite” (2000: 14). Da televisão lamenta-se o facto de encorajar a violência, informar pouco ou mal e ser culturalmente regressiva. E conclui que a imagem é diferente do que se julga, porque: 1) o ver não é conhecer, 2) o conhecer pode ser ajudado pelo ver, 3) isto não invalida que conhecer por conceitos se desenvolva para além do visível (Sartori, 2000: 179).
Leitura de: Giovanni Sartori (2000). Homo videns. Televisão e pós-pensamento. Lisboa: Terramar
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