ROCK IN RIO LISBOA
Já existe publicidade sobre este mega-evento em mupies espalhados pela cidade de Lisboa (na rua e no metro). Quando se acede ao portal Sapo - pelo menos - também surge informação sobre a mesma actividade, com possibilidade de compra de bilhetes pela internet. Hoje, o Expresso traz uma página inteira com o anúncio do festival de música, que decorrerá de 28 de Maio a 6 de Junho (confesso que não sei se, em edições anteriores, o jornal publicitara a mesma ocorrência). Como cabeças de cartaz, anunciam-se Paul McCartney, Peter Gabriel, Guns n' Roses, Metallica, Britney Spears e Sting. Mas outros provocam grande ansiedade junto dos fãs, como os Evanescence, Incubus ou Alejandro Sanz, ou até os DJ Tó Ricciardi e DJ Vibe, por exemplo.
Este será, certamente, um período memorável. Organizado pela Câmara de Lisboa, no Parque da Bela Vista, tem entre os patrocinadores a Sumol, a Sagres e a Vodafone, marcas identificadas com bebidas e telemóveis, produtos muito consumidos pelos jovens - o principal público-alvo (embora os cabeças de cartaz sejam maioritariamente para um público-alvo mais velho). Os espectáculos decorrerão em três espaços em pontos distintos do parque, um deles albergando os DJ. Espaços de alimentação e actividades desportivas radicais (skate, slide e escalada) completam a oferta. Das entidades que apoiam os concertos encontra-se a Plan Childreach, organização de apoio a crianças e para quem reverterão os lucros.
Sobre os fãs
O Rock in Rio Lisboa é um acontecimento muito orientado para os fãs da música rock (e outras expressões musicais, estas a ver e ouvir na tenda Raízes). Os fãs constituem, nesta mensagem, o meu principal objectivo.
O que é ser fã? Extraio algumas ideias de dois textos que estou a trabalhar com objectivos académicos. A literatura sobre o tema associa o fã a imagens do desviante. O fã é interpretado como um potencial fanático. Joli Jenson - em "Fandom as pathology: the consequences of characterization", texto publicado em 1992 no livro editado por Lisa A. Lewis, Adoring audience. Fan culture and popular media - vai além desta definição simplória e mergulha numa explicação social e psicológica do fã na modernidade. Por regra, os fãs são vistos como "eles", os "outros", perigosos e irracionais, em oposição a "nós" ou "pessoas como nós" (os estudantes, os professores, os críticos).
O fã é apresentado como resultado da celebridade. Madonna, há dez anos, ou Britney Spears, hoje, despertam nos fãs uma atenção que atinge a disfunção psicológica - vestir ou usar o tipo de penteado da estrela de rock, consumir a sua bebida preferida ou manifestar gostos semelhantes à vedeta constitui uma espécie de comportamento de imitação. Ser fã é agregar pessoas solitárias, as quais estabelecem uma relação de fantasia com a vedeta que idolatram. O fã é, assim, alguém passivo, que vive a coleccionar os discos, os concertos, as entrevistas, as revistas, ou que adere ao clube de fãs, que sabe tudo sobre a vedeta.
Contudo, diz John Fiske ("The cultural economy of fandom", no mesmo livro), não se pode ver o fã como um indivíduo meramente passivo. Fiske coloca, no centro do seu texto, as ideias de cultura popular e produtividade. Por um lado, a cultura popular distingue-se da cultura industrial (a produzida pelas indústrias culturais), com elaboração de significados de identidade e experiência social. Por outro lado, Fiske considera que, para além da produção e da recepção, o indivíduo (o fã) operacionaliza uma produtividade, interface que medeia entre: 1) o bem cultural produzido industrialmente (narrativa, música, vedeta), e 2) a vida diária do fã. Trata-se de um produtividade semiótica (interna ao indivíduo), diferente da que corresponde a uma partilha face a face dos significados, a produtividade enunciativa. Há, pois, um uso verbal empregue num contexto social e temporal.
John Fiske vai mais longe, ao admitir a existência de uma terceira produtividade, a textual. Nesta, o fã torna-se alguém activo, que produz e faz circular textos (em revistas, por exemplo), alimentado não numa perspectiva do lucro (como o fazem as indústrias culturais) mas como afirmação de uma comunidade. São pessoas com uma devoção específica, com um consumo e afeição que os distingue dos "outros". A cultura dos fãs também se relaciona com os interesses comerciais das indústrias culturais, conclui Fiske. Para as indústrias, os fãs são compradores de estrelas e de movimentos; mas os fãs fornecem tendências e preferências de gosto, que (re)orientam a actividade do mercado.
Assim, os concertos do Rock in Rio vão atrair muitos fãs. Logo no dia inicial de venda de bilhetes os canais de televisão registaram as motivações dos fãs. O que mais me impressionou foi quando uma jovem dizia estar mesmo à espera da vinda daquela banda - como se todo o seu mundo se organizasse em torno do seu concerto de eleição.
Claro que tenho de reconhecer, como faz Joli Jenson no seu texto, que todos nós - mesmo os mais racionais ou "cinzentos" - somos fãs de alguma coisa. Do futebol (e leva-se um cachecol, uma camisola ou outro adereço qualquer), da ciência e literatura (compramos tudo que diga respeito a um autor: os seus livros, as biografias sobre ele, as suas entrevistas, ou a sua assinatura no lançamento de um livro) ou do coleccionismo (selos, borboletas ou outro hóbi qualquer). E "nós", por oposição a "eles", não nos sentimos desviantes, fanáticos ou desequilibrados psicologicamente. Temos gostos normais, gostamos simplesmente do que gostamos.
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