domingo, 4 de abril de 2004

COMO ESTÃO OS MEDIA AMERICANOS?

Acaba de ser publicado o estudo Estado dos meios de comunicação 2004, do “Project for Excellence in Journalism” (PEJ), pertencente à Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (Nova Iorque), e financiado pela Pew Foundation. Trata-se de uma investigação que resulta de análise apurada, apoiada em centenas de sondagens e relatórios, naquilo que é a grande fotografia actual da informação nos Estados Unidos. Um conjunto de media e blogs portugueses já se referiram ao estudo. Contudo, na edição de hoje do El Pais (caderno Domingo), há duas páginas assinadas por José Manuel Calvo sobre o assunto, que o sintetizam e que eu aproveito e sigo aqui.

As novas tendências

O estudo analisou oito sectores – jornais, revistas, grandes cadeias de televisão, televisão por cabo, televisão local, internet, rádio e meios alternativos –, a partir de seis parâmetros: tendências nos conteúdos, audiências, finanças, propriedade dos media, investimentos na redacção e atitudes públicas face aos media. Dirigido por Tom Rosenstiel e Amy Mitchell, o PEJ propõe oito tendências no panorama da comunicação:

1) aumento do número de media com audiências que estagnaram ou diminuíram, o que acentua a pressão sobre lucros e receitas. Desta tendência, salvam-se a imprensa electrónica, a alternativa e a étnica ou de minorias;
2) quase todos os media reduzem gastos, quer nas redacções quer no tempo dedicado à investigação;
3) muitos meios oferecem a matéria prima da informação como se fosse o resultado final. Há a tendência, na televisão por cabo e nas edições electrónicas, para a informação caótica, parcial e entrecruzada, sem síntese nem ordem, além de que há notícias repetidas sem actualizações que as expliquem. Assim, muita gente recebe informação em bruto;
4) os critérios jornalísticos variam mesmo dentro de cada meio. Os audiovisuais, sobretudo, querem garantir, aos seus anunciantes, vários mercados publicitários, em diferentes programas, produtos e plataformas, mudando os seus critérios e as suas normas éticas e publicitárias segundo o canal, o programa e a hora de emissão;
5) a ausência de investimentos complica o futuro de muitos media tradicionais. Ao manter a rentabilidade através da redução de postos de trabalho, isso significa mais trabalho para menos jornalistas, menos espaço informativo e mais promoções e anúncios;
6) o jornalismo complementa-se de forma mais inevitável e menos ameaçadora do que parecia há apenas uns anos atrás. Isto é, o jornalismo electrónico não substitui os media tradicionais, mas converge com eles;
7) a chave do futuro pode não ser a tecnológica mas a económica. O jornalismo on-line pressupõe novas oportunidades para o jornalismo tradicional, mais do que a mera canibalização. Os maiores problemas são os lucros a obter, dadas as maiores dificuldades de assinaturas e de publicidade;
8) os que são capazes de manipular os media e o público (as fontes) parecem ter cada vez mais poder sobre os jornalistas.

Transformações de grande envergadura

O jornalismo está numa fase de transformação tão importante como a que ocorreu com o telégrafo e a televisão, dizem os relatores do texto do PEJ (e seguindo ainda a peça jornalística de J. M. Calvo, hoje publicada no El Pais). Se os índices de leitura dos jornais estão a baixar, aumenta a leitura através da internet; pode ser por aqui o caminho da recuperação. Mas os media tradicionais têm de assumir mudanças, investindo no produto e assumindo riscos. Ora, muitos media apostam na velocidade do ciclo de notícias, o que traz problemas acrescidos.

Os casos recentes de fabricação de estórias ou invenção de citações (caso de Jayson Blair, do New York Times) aumentaram a desconfiança dos públicos. A credibilidade dos media baixou de 80% em 1985 para 59% em 2002. É que, segundo parece, os media perdem em precisão e os jornalistas sensacionalizam as notícias para vender jornais e avançar nas carreiras profissionais. Por isso, audiências e receitas são dois elementos cruciais nos media. Sabe-se que as audiências são uma dor de cabeça para os responsáveis dos media. Em termos de recepção da informação, mantém-se uma hierarquia pesada nos diversos media. Como primeira fonte de informação dos americanos vem a televisão (83%), seguindo-se os jornais (42%), a rádio (19%) e a internet (15%). Por outro lado, o relatório aponta para a estabilidade económica dos media que se baseiam em informação, com cerca de 20% de aumento de receitas em 2003. Ao mesmo tempo, a internet parece dobrar a esquina da rentabilidade.

O modo de contar estórias assiste a um duplo movimento, em especial nos canais por cabo: há cada vez menos pacotes informativos e cada vez mais entrevistas em directo e intervenções dos repórteres com escassa elaboração. Neste caso, os jornais, com salas de redacção maiores, usam essa vantagem para alimentar as edições electrónicas e torná-las mais competitivas. Já nas revistas, estas perdem terreno na informação política tradicional e avançam com conteúdos de estilos de vida.

Concentração da propriedade dos media

Se há fragmentação das audiências, ocorre um movimento oposto na propriedade dos media, a concentração. Estima o estudo financiado pela Pew Foundation que, em 2004, 22 empresas representarão 70% da circulação diária dos jornais e dez empresas controlam as 30 principais emissoras de televisão, que atingem 85% da audiência total. Na televisão generalista, todos os proprietários são corporações gigantescas, o mesmo se passando actualmente com a internet. Como se sabe, e em Portugal houve alguma discussão entre o ano passado e este, a concentração dos media pode significar menos pluralismo e mais dificuldades para os jornalistas enquanto corpo profissional. As salas de redacção são cada vez mais pequenas, com os jornalistas a desempenharem mais tarefas não ligadas directamente à informação mas à produção. Na televisão, existe menos um terço de profissionais que vinte anos atrás. Na rádio, esse número atinge 44%, enquanto as salas da televisão por cabo são pequenas.

Como resumo, há mais pressão, menos tempo para trabalhar a informação, mais uso das tecnologias, com recursos partilhados e informação em segunda mão. Ou visto, de outro ângulo: mais media e menos credibilidade. Será assim?

[nota: como observei no começo desta mensagem, segui de perto o texto editado hoje no El Pais, escrito pelo jornalista José Manuel Calvo]

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